Rilion Gracie: “No Jiu-Jitsu, a guarda é a salvação do fraco”

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“A guarda é a salvação do fraco”, disse Rilion Gracie em entrevista a GRACIEMAG, em clássica edição de fevereiro de 2009.

Seja você um atleta de MMA querendo evitar um sufoco tamanho-família, um competidor de Jiu-Jitsu ou um apaixonado praticante, você deve se aprofundar no conceito de guarda para evoluir nos treinos. Relembre então o que Rilion nos ensinou, e não perca sua próxima GRACIEMAG.

 

O exímio guardeiro Rilion Gracie, em foto de Ray Santana

 

GRACIEMAG: Rickson Gracie sempre disse aos quatro ventos que você tem a melhor guarda da família. O que faz uma guarda ser boa?

RILION GRACIE: A guarda sempre foi uma forma de equilibrar a luta entre duas pessoas, trazendo a disputa para o chão, onde um cara de 60kg equaliza as forças e passa a ter melhores chances de surpreender um cara de 120kg. Quando ganhei a faixa-preta, há 25 anos, eu tinha 59kg. E sempre tive o espírito de vencer o adversário, entendia o Jiu-Jitsu da minha família como uma arte de defesa, mas cujo objetivo é finalizar o adversário. Da mesma forma que a gente hoje vê com centenas de magrinhos, donos de uma guardinha boa porque não tinham opção, isso aconteceu comigo também. A guarda é a salvação do fraco.

Como você desenvolveu seu jogo?

Orientado por Rolls, Carlinhos, Rickson, Crolin – professores que foram meus espelhos –, percebi que eu tinha de ter uma guarda muito boa para enfrentar qualquer um, mas uma guarda completa – não me interessava apenas resistir aos oponentes, ficar me defendendo sem conseguir fazer nada na luta. Mas a primeira luz que tive, na faixa-azul, foi: se eu não consigo neutralizar o cara na guarda, que eu tenho milhões de opções de barreiras, as pernas as mãos e tudo, se ele passar estou morto – vou ter de fazer o triplo de força, e ainda com o cara com o peso em cima do peito, amassando meu pescoço, orelha. Então a primeira preocupação é: não perder.

E o estágio seguinte?

Na faixa-roxa eu já estava bem flexível, e a guarda com fama de intransponível nos campeonatinhos. Mas acontece que eu ganhava porque o cara de cima ia cansando, e acabava dando uns moles no triângulo, ou então eu ia pras costas e tal. Então, passei a outro estágio, desenvolvido na marrom: conciliar a guarda defensiva com a ofensiva, incorporando um jogo variado de finalizações na guarda, raspagens e ida às costas. Foi aí que meu Jiu-Jitsu passou a melhorar em todos os sentidos, porque eu começava a cair por cima do adversário, e tinha de me aproveitar desta situação favorável. Hoje, eu me acho melhor por cima do que por baixo. Prefiro jogar por cima – meu objetivo é pular o muro e atacar o adversário.

Eu me especializei em dar brecha para o cara passar, pois é nessa hora que ele faz força – e então cansa ou cai em alguma armadilha” Rilion

Qual é o macete para o adversário cair nas armadilhas da guarda?

Um tipo de guarda é aquele que você agarra as mangas, trava os braços do cara, mas você também não faz nada, e fica aquela luta feia. Outra é a guarda onde você dá o gostinho para o cara. Ele vê uma chance de passar, faz força, mas não passa. Eu me especializei nisso, em dar brecha para o cara passar – e aí ou ele faz força e cansa, ou cai em alguma armadilha. Porque eu não acredito no ser humano que não cansa. O cara mais bem preparado do mundo, se confrontado com a técnica certa, executada com perfeição, ele será obrigado a fazer força, e alguma hora vai cansar. Todo mundo tem um limite, cabe a você encontrar o método e o caminho para fazer o adversário chegar lá.

Qual é a sua guarda favorita?

Jiu-Jitsu para mim é o fácil e o eficiente. É aquele que você é capaz de ensinar a qualquer aluno que entrar na sua academia, caso contrário ele pega as coisas dele e não aparece mais.

Procuro fazer minha guarda de frente para o cara, pelo menos na minha forma de lutar. E tento deixar o cara o tempo todo preocupado em ser finalizado, com medo de bater. Mesmo que o cara saiba se defender, a preocupação leva ao desgaste, à exaustão. E, quando errar, ele dança. Quanto maior for a qualidade técnica do adversário, mais você tem de buscar preocupá-lo.
Então, claro que até faço meia-guarda, algumas vezes. Mas, se o adversário é muito bom, depois de eu raspar ele também vai se mostrar um cara bom por baixo. Aí um raspa para lá, o outro raspa para cá, e fica aquela luta que estamos vendo nos campeonatos. Claro, você tem de saber o seu objetivo ao fazer guarda. Se for raspar para vencer por pontos, perfeito. Mas eu não quero deixar o oponente preocupado apenas em evitar ser raspado. Ele tem de se sentir constantemente ameaçado.

Existe algum tipo de guarda ruim?

Eu respeito qualquer posição. Se eu ensino uma técnica para dez pessoas diferentes, sei que, por mais que eu queira, cada aluno vai se adequar a um aspecto e não a outro. O Jiu-Jitsu é uma arte infinita, o baixinho não vai ter o mesmo jogo do cara de pernas longas. Por isso o mestre não pode botar uma viseira e tachar uma guarda de boa e outra de ruim. O segredo é enxergar as falhas e virtudes da posição, jamais condenar, com arrogância. Agora, o cara que quer ser referência em guarda não pode saber uma guarda só. Tem de saber outros caminhos, para o dia que encontrar uma pedra na frente.

Jiu-Jitsu é sensibilidade” Rilion

Qual é o seu desafio hoje, quando treina?

Poupar mais energia que antigamente. Estou melhor tecnicamente, mais experiente, mas não sou o mesmo Rilion de 15 anos atrás. Me sinto bem para a minha idade, claro, e sei que o Rilion de 35 anos fatalmente venceria o Rilion de 25. Mas hoje, aos 45, não me recupero com a mesma rapidez. Antigamente eu imprimia o ritmo, dava duas respiradas e estava pronto novamente para dar 20, 30 treinos. Sei que fisicamente estou em processo de decadência. Ao mesmo tempo, quanto mais tempo de voo, mais sutilezas milimétricas você tem.

Por exemplo, você começa a desenvolver uma sensibilidade capaz de adivinhar o pensamento do adversário. Um segundo antes de o cara dar o arranque, seu ganchinho está lá bloqueando. Jiu-Jitsu é isso. Sem sensibilidade, sem uma conexão espiritual com a arte, o cara ganha no preparo, na disposição, e fica sendo para sempre um grossão, dono de um estilo feio.

Seu irmão Rolls Gracie (1951-1982) é visto como a ponte do Jiu-Jitsu tradicional para o moderno. Ele também foi o elo da guarda do passado para a guarda moderna?

Sem dúvida. Quando o Jiu-Jitsu caiu na mão do Rolls, evoluiu uns 50 anos em dez. Ele pegou um fusca e transformou numa Ferrari, e deu na nossa mão. Claro, já existia a roda, o farol. Mas foi com Rolls que a guarda passou de defensiva, esperando o oponente, para uma posição com um arsenal de ataques.

Ele tinha uma cabeça muito aberta e dinâmica, sempre deu atenção ao aluno, e gostava de escutá-los, de ver posições novas. Hoje você pega um cara de destaque e parece que tem de pedir pelamordedeus para ensinar uma posição para o cara. Foi Rolls então que formou a que, para mim, foi a geração de ouro do Jiu-Jitsu: Carlinhos, Crolin, Rickson e tantos alunos do Rolls de fora da família. Aprendi muito de guarda vendo os treinos de um deles, o Talarico, que inclusive tinha umas pernas curtas.

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