
Ao lançar suas memórias, o professor, campeão mundial e ex-astro do vale-tudo Fabio Gurgel fez questão de reunir amigos, leitores e admiradores no dojo da Alliance – todos de meia ou descalços, para cruzar os tatames, receber aquele abraço poderoso do “General” e pegar um autógrafo nas primeiras das 255 páginas de “Inabalável – Princípios do Jiu-Jitsu aplicados à vida e aos negócios” (Editora LVM, 2024).
É uma leitura fluida e instrutiva, em que o faixa-coral recorda com rara franqueza as crises, incertezas, arrependimentos e, claro, como manteve a mente inabalável para dissipar as dúvidas e construir uma trajetória de raro, raríssimo sucesso no Jiu-Jitsu. Num dos trechos de maior tensão do livro, por exemplo, Gurgel reflete sobre a arte de controlar os nervos em situações extremas – como quando viu um pitbull raivoso vir de dentes arreganhados para cima dele, num dia qualquer em São Paulo.
Fabio Gurgel foi um daqueles mestres raros na história da arte suave, numa linhagem que vem de Carlos Gracie e João Alberto Barreto – campeões que também dominaram o talento de comunicador e escritor, e ganharam espaço na grande mídia para defender o Jiu-Jitsu. Barreto, no “Jornal dos Sports”; Gurgel, na prestigiada revista “Trip”, em 2001 e 2002. Não à toa, Gurgel formou, treinou e ajudou alguns dos lutadores mais criativos e influentes de suas gerações, como Marcelo Garcia, Demian Maia, Michael Langhi, Bruno Malfacine e tantos outros.
Se o ritmo do livro é suave, o término da leitura nos deixa como uma dúvida mais complexa. Afinal, qual teria sido o papel principal de Fabio no Jiu-Jitsu, ou sua maior façanha?
* Lutar com Helio Gracie no seu córner?
* Ajudar a consolidar a arte suave em São Paulo, quando o Rio de Janeiro era a meca do esporte?
* Fundar e ajudar a reinventar a Alliance inúmeras vezes, a ponto de se sagrar 15 vezes campeões mundiais por equipe pela IBJJF?
* Passar dos 30 mil alunos, em 300 escolas pelo planeta – a ponto de decidir, corajosamente, que não vai mais graduar nenhum faixa-preta e se dedicar somente aos negócios?
* Ou se sagrar, simplesmente, tetracampeão mundial na faixa-preta?
Sem romantizar nem se vangloriar com nada disso, Gurgel vai distribuindo lições. Um ponto alto do livro é ver Fabio recordar cada um de seus antigos mestres – do jogador Carlinhos Violino, ídolo do Flamengo, ao treinador de vôlei Bené, passando por seu mestrão Romero Jacaré – que escreve na apresentação – até os atuais mestres que inspiram o professor, como Platão, Sêneca e outros filósofos.
“Aprendi, em mais de 40 anos de Jiu-Jitsu que ninguém jamais será capaz de controlar tudo que se passa ao redor, porque é impossível”, ensina Gurgel. “O segredo para viver de modo tranquilo é aceitar o que não podemos mudar e dar o nosso melhor dentro das circunstâncias apresentadas”.
Lá pelas tantas, Gurgel ensina no livro quem são os principais “rivais” do bom Jiu-Jitsu hoje:
“Essa infinidade de academias mal geridas, sujas, com professores que tratam mal os alunos, que se atrasam para a aula, que ensinam com o kimono sujo, que não falam corretamente e que, dessa forma, diminuem o Jiu-Jitsu. Uma vez que vai lá, o aluno tem uma experiência tão negativa que jamais vai voltar – para academia nenhuma.”
E há, além das passagens instrutivas, bastidores e revelações divertidas.
O desafio de 1991, com os representantes do Jiu-Jitsu contra a luta livre, ganha um capítulo extenso e detalhado. E cômico, apesar da tensão e o caos do evento no Grajaú.
Antes de vencer Denilson Maia, com seus célebres 43 socos da montada, e ganhar fama pelas ondas da TV Globo, o lutador de 21 anos estava no vestiário. De lá, Gurgel viu pelo monitor a fera Hugo Duarte subir ao ringue, para ser saudado vitorioso por W.O. contra Marcelo Behring, cuja luta caíra do card após uma severa contusão no cotovelo de Behring. Carlson não deixaria barato a provocação de Hugo e chamou Gurgel:
“Ô bicho, depois que você vencer rápido, nem desce do ringue, hein. Vou pegar o microfone e chamar o Hugo Duarte para você lutar com ele também.”
Após a vitória de Gurgel e do Jiu-Jitsu – com o professor Helio no córner – a festa e a invasão do ringue inviabilizaram a sugestão de desafio e “luta dupla” de Carlson.
Gurgel refletiria: “Até hoje não sei se ele fez aquilo para mostrar como acreditava em mim, ou se ele queria mesmo que eu lutasse duas vezes”.
Queira você aprender a ensinar, melhorar seus hábitos como competidor ou turbinar suas academias com dicas sérias, as memórias de Fabio Gurgel são a leitura ideal. Se no caminho você rir com alguns dos bastidores do Jiu-Jitsu, não será mera coincidência.
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