
No fim de semana de 15 e 16 de novembro, a William Overfelt High School, em San Jose, Califórnia, se prepara para receber um grupo diferente de mestres e estudantes aplicados. A escola americana será palco do US Open, que começou lá atrás em 1995, e este ano chega a sua 30ª edição.
Faixa-coral de Jiu-Jitsu e fundador do evento, o brasileiro Claudio França refletiu, em conversa com GRACIEMAG, sobre o saldo do torneio até aqui, e o que espera para o futuro do esporte.
O US Open 30 aguarda entre 1.500 e 2 mil competidores espalhados por todas as divisões, com e sem kimono.
Confira os detalhes do torneio em: https://bjjtour.com/tournaments/u-s-open/
GRACIEMAG: Quando um evento completa 30 anos, torna-se uma data perfeita para celebrar, e também para um balanço de todas as conquistas. Neste aniversário, que desejo você tem para o US Open? O que ainda faltaria conquistar?
CLAUDIO FRANÇA: Eu desejo um pouco mais de visibilidade fora do meio do Jiu-Jitsu, para que o torneio pudesse dar ainda mais retorno para todos que participam dele, dos atletas aos patrocinadores. As mídias e veículos voltados para as artes marciais contribuem, mas o espaço para os campeonatos e para os astros do Jiu-Jitsu nos grandes canais convencionais ainda é escasso, quase nulo. A luta nas próximas décadas será esta, ver nossas disputas de Jiu-Jitsu ao vivo em canais como a ESPN, a Fox Sports e outras grandes emissoras. Isso seria um passo decisivo para atrair parcerias e patrocinadores fortes, e poder distribuir prêmios merecidos e substanciais para os competidores e competidoras da faixa-preta.
Em 1995, você organizou o primeiro campeonato na Califórnia, em Santa Cruz, e não deve ter sido fácil. O que mais parece ter mudado de lá para cá no ambiente dos campeonatos?
Quando organizei o primeiro US Open eu estava havia menos de dois anos nos EUA. Arrumar tatames de Jiu-Jitsu já era difícil, o que dirá negociar parcerias e contratar equipamentos básicos para um campeonato. O que lembro hoje é de como os treinadores e líderes de equipe eram bem mais nervosos com os árbitros.
Como o US Open ajudou no fortalecimento do Jiu-Jitsu no norte da Califórnia e no país em geral?
Creio que o grande papel das primeiras edições do US Open foi o de mostrar aos alunos e para a comunidade as diferenças essenciais do Jiu-Jitsu esportivo e do MMA, modalidade que se tornava muito popular nos Estados Unidos, com o UFC. Os jovens perceberam que podiam treinar Jiu-Jitsu por 1001 razões, e não com o intuito de subir no Octagon para lutar sem luvas. E assim preconceitos foram caindo e a vida de muitas famílias foram tocadas. Era uma fase em que só havia campeonatos no Brasil, e desde o começo conseguimos atrair lutadores de muitos países, e ajudar no fortalecimento e divulgação da nossa arte marcial nos Estados Unidos. Houve então esse papel educativo muito forte.
Quando você decidiu organizar seus primeiros torneios, no Rio, os campeonatos eram raríssimos. Um lutador que perdia tinha de esperar um ano por uma revanche. Hoje há eventos a cada fim de semana, em dezenas de cidades do planeta. Há algum lado prejudicial em termos tantas competições?
O esporte ganha popularidade a cada campeonato, isso é um senhor benefício. O lado nocivo é quando o campeonato não cuida da arbitragem, da segurança dos atletas, e isso pode passar uma impressão errada para os participantes. O que também não vejo com bons olhos é quando cada evento se sente no direito de ir alterando as regras e pontos do Jiu-Jitsu. O esporte tem regras conhecidas. É preciso seguir os regulamentos regidos e consolidados pela nossa Federação Internacional. Isso confunde a cabeça dos atletas e dos fãs, e atrapalha o crescimento do esporte nas grandes mídias. Imagine se no tênis a cada torneio houvesse uma pontuação diferente? Seria confuso. Isso é bem prejudicial para o futuro do esporte.
Ainda curte viajar para prestigiar outros campeonatos, para ver como são organizados?
Hoje sou faixa-coral, mas desde minha juventude sempre lutei e disputei muitos campeonatos. Esse sempre foi o meu maior prazer. Depois, passei a curtir levar os meus alunos e incentivar o Jiu-Jitsu no Brasil, nos EUA ou onde fossse. Foi isso que me trouxe até aqui. É sempre um prazer apoiar e aprender com outros organizadores.

Claudio França (com o troféu) nos tempos dos campeonatos no Rio de Janeiro.
Seus eventos sediaram lutas de diversos astros e estrelas americanas, revelaram jovens como Kron Gracie e até o empresário Mark Zuckerberg. Já aprendeu alguma técnica numa luta realizada no US Open?
Quando a gente veste a camisa de organizador, é raro a gente ter atenção total nas lutas, a ponto de perceber os detalhes técnicos. Mas sempre, sempre aprendi muito ali no melhor lugar da arena, ali no centro das áreas de luta, ou como instrutor à beira dos tatames. Semanas depois dos meus eventos, acabo analisando o jogo e o estilo das grandes feras.
Como era o Claudio França aluno, pequeno ali nos tatames do grande mestre Francisco Mansor?
Comecei me divertindo, aprendendo desde cedo com outras crianças, nas turminhas do mestre Mansor. Quando me tornei atleta e professor, passei a absorver muita coisa do mestre, que é aquele grande contador de histórias, uma página viva do Jiu-Jitsu. Quando ele abriu a Kioto BJJ em Nova York, eu fazia questão de ir lá ouvir aquelas histórias deliciosas. A gente saía para jantar e eu aprendia muito, sobre o passado dele como polícia e as aulas que ele tinha com grande mestre Helio Gracie. Outro lado dele menos conhecido é o religioso. Ele sempre me ajudou a encontrar esse tipo de paz também. Hoje ele mora em São Paulo, o carinho e o amor continuam o mesmo, mas bate a maior saudade.

Augusto Tanquinho contra Diego Nosferatu no US Open 17. Foto: Dan Rod/GRACIEMAG.com
