
Charles do Bronx, em retrato da fera Marcelo Woo / GRACIEMAG
Um dos filmes que marcou minha infância/início da adolescência foi “O Rei Leão”. Além dos personagens cativantes e da marcante trilha sonora ganhadora do Oscar, a animação de 1994 contava uma grande história de coragem, legado e redenção.
No início do filme, Simba era apresentado como um jovem leão herdeiro do reino animal governado por seu pai, o Rei Mufasa.
Mufasa e Simba são amados e respeitados por seus súditos, exceto o invejoso princípe Scar e suas hienas sedentas por sangue e risadas. Por uma armação de Scar, Simba é incriminado pela morte de Mufasa e mandado para o exílio. É preciso que Simba entenda seu papel na História do reino, reúna coragem e retorne à selva para destronar Scar, reconquistando seu legado.
A película acaba com o agora Rei Simba apresentando seu filhote e futuro herdeiro ao reino animal, para recomeçar o ciclo da vida. Quem diria que essa saga emocionante poderia se repetir, dessa vez no reino do UFC?
Charles “do Bronx” Oliveira é um dos campeões mais amados do MMA, não só por ser o ex-campeão peso leve do UFC, o maior finalizador da história da organização e detentor de vários recordes. Seu estilo agressivo e destemido de luta, seu Jiu-Jitsu fluido, sua humildade e seu carisma natural fizeram-no ser reverenciado no mundo inteiro.
Como não amar alguém que solta espontaneamente frases como “eu sou o problema da divisão”, “o campeão tem nome e é Charles Oliveira” ou “pode vim, fio. Mas vem sem entender nada”; após finalizar grandes nomes do esporte como Dustin Poirier e Justin Gaethje?
Dentre as assertivas antológicas do nosso filósofo guerreiro, talvez a mais marcante seja: “Sou um leão no meio dos leões. E um leão embaçado! Vou continuar fazendo história, quebrando recordes.” Uma profecia digna da epopeia do felino da Disney.
Quando Oliveira caiu apagado pela patada brutal de Ilia Topuria, em junho de 2025, as hienas logo avançaram. Parte da imprensa e do volátil público brasileiro tentou mandar Charles para o exílio da aposentadoria. Em vez de fugir e ficar remoendo o trauma, nosso Leão Embaçado não quis saber de Hakuna Matata e logo se prontificou a liderar o card de um UFC Fight Night a ser realizado no Brasil. Para ele, lutar em seu reino era a melhor maneira de curar suas feridas e reaver a confiança de seus súditos.
Não acreditei quando as hienas se apressaram a tratá-lo como azarão contra o polonês Mateusz Gamrot. Na minha cabeça, mesmo após o brutal nocaute que havia sofrido, não havia como o dono do Jiu-Jitsu mais plástico e ofensivo do UFC sucumbir ao jogo de solo amarrado de Gamrot. Antes da luta, Mateusz cutucou o leão com vara curta. Disse que iria testar o chão do brasileiro e aposentá-lo. O papagaio fala e o leão ruge.
Na luta principal da noite de 11 de outubro, sob estrondosos aplausos e incentivo da multidão que lotava a Farmasi Arena, Charles partiu para cima do oponente, encaixou bons golpes e levou Gamrot a rapidamente buscar a queda. Do Bronx então mostrou por que está no topo da cadeia alimentar do Jiu-Jitsu: usou sua movimentação inigualável para encaixar uma chave omoplata, inverter a posição e vencer o primeiro round.
No segundo turno, Mateuz não tentou nova queda porque não queria ficar novamente encurralado na toca do leão. Isso levou Charles a buscar a presa, levantá-la do chão, jogá-la à força em sua cova e pegar suas costas. Naquela posição, o mata-leão do Leão Embaçado é indefensável. A 2min48s do segundo round, a presa estava abatida e Charles saltava a grade do octógono para abraçar sua família.
Após o anúncio oficial da vitória, consagrado diante de seu reino, Charles ergueu sua cria – o filho Dominick – e apresentou o herdeiro para toda a arena. Exatamente como Mufasa no início do filme, e Simba depois.
Todos se curvaram em merecido reconhecimento. Na selva brasileira, o Leão Embaçado reina novamente. É o ciclo sem fim do Jiu-Jitsu.
Oss!
UFC Rio
11 de outubro de 2025
Rio de Janeiro, RJ
Charles do Bronx finalizou Mateusz Gamrot a 2min48s do R2
Deiveson Figueiredo venceu Montel Jackson por decisão
Joel Alvarez venceu Vicente Luque por decisão unânime
Mario Pinto venceu Jhonata Diniz por nocaute técnico a 4min10s do R2
Kaan Ofli finalizou Ricardo Carcacinha aos 3min2s
Card preliminar
Michael Aswell venceu Lucas Almeida por nocaute técnico a 1min42s
Jafel Filho finalizou Clayton Carpenter aos 4min42s
Vitor Petrino nocauteou Thomas Petersen aos 25s do R3
Bia Mesquita finalizou Irina Alekseeva a 2min14s do R2
Lucas Rocha venceu Stewart Nicoll por decisão unânime
Julia Polastri venceu Karolina Kowalkiewicz por nocaute técnico a 2min do R3
Luan Lacerda finalizou Saimon Oliveira aos 3min55 do R2
*** Mauro Ellovitch é promotor de Justiça, faixa-preta de Jiu-Jitsu e autor do livro “Sangue, Suor & Letras – Crônicas do MMA”.
