A última luta de Jiu-Jitsu de um faixa-preta

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Fotos: Jan Iago / Divulgação

[ Colaborou: Marcelo Dunlop ]

 

Ao entrar no pavilhão para o campeonato, o faixa-preta tinha na mente um pensamento firme como uma rocha. “Esta será minha última competição. Muito provavelmente, será minha última luta de Jiu-Jitsu”. Ao ser chamado para competir, no entanto, ele já não tinha mais a mesma certeza.

O cérebro talvez fosse mais frio e objetivo. Claro, seria sua última vez a pisar no tatame de uma competição. Contudo, seu coração soprava em outra direção:

“Segundos antes da luta, o meu coração me dizia que não podia ser. Não podia ser a última vez, como poderia? Eu amo demais o Jiu-Jitsu, e tudo que gira em torno do esporte – tudo que nos faz superar os nossos fantasmas e as nossas dificuldades, por maiores que sejam. O Jiu-Jitsu é o que nos faz esquecer a vida lá fora e sentir o momento com uma intensidade que só quem pratica, só quem se entrega à arte suave sabe o que significa.”

O faixa-preta em questão é Álvaro Miguel Costa, e a competição se deu em 12 de julho, no norte de Portugal. Realizado pela Federação Portuguesa de Jiu-Jitsu Brasileiro (FPJJB), o Portugal Grand Slam de 2025 se desenrolou no Pavilhão Municipal de Pedrouços, com jovens atletas, futuras promessas e variados campeões locais.

Apesar da concorrência, uma das lutas mais comentadas foi a de Álvaro, na divisão master, acima de 50 anos, contra a fera Antônio Nascimento. Velhos amigos, os dois arrancaram aplausos de todos por vários minutos, e algumas lágrimas.

Aos 50, Álvaro tem enfrentado há tempos um câncer raro e extremamente agressivo, e além da fé e da família, encontra apoio nos treininhos, onde se exercita, se distrai, mantém a cabeça boa, recebe aquela positividade dos colegas de academia.

“Fui bastante emocionado para o evento”, recordaria Álvaro, em conversa com o GRACIEMAG.com. “O Antônio Nascimento é um verdadeiro irmão, a quem tenho que agradecer por me ter proporcionado um momento tão especial. A forma abnegada, altruísta e humilde como preparou o momento para eu vivenciar e sentir é digno apenas de quem é um verdadeiro samurai, um artista marcial de verdade”.

Álvaro, faixa-preta do professor Manoel Neto, já superou cirurgias de mais de seis horas, tratamentos duros e notícias que desanimariam qualquer um. Quando, por exemplo, recebeu dos médicos a noticia de que teria os movimentos muito limitados e seria complexo treinar. Mas a fera jamais desanimou, superou todas as expectativas e não largou o kimono.

Campeão da perseverança, o lutador master comentou o que sentiu, ao ter sua mão erguida pelo árbitro:

“Ao final, quando senti aquela vibração de um pavilhão cheio de cascas-grossas emocionados, pude sentir o quanto o Jiu-Jitsu é diferenciado: não há equipas, grupos, há uma comunidade, somos todos uma família. Não sei o que o futuro me reserva, mas sei que o Jiu-Jitsu me ensinou a levantar sempre. Se eu cair, cairei de cabeça erguida, honrando o que é ser um faixa-preta, sem medo, aceitando o que vier, de coração cheio de gratidão por tudo o que a vida me trouxe”.

Confira a disputa, aqui.

Após quase 50 anos como artista marcial, o irmão-oponente Antônio Nascimento, de 55 anos, viveu um dos momentos mais inesquecíveis de sua trajetória, que inclui disputas de triatlo, judô e outras modalidades. Ele também não conseguiu segurar as lágrimas.

“Tenho 48 anos vividos nos tatames, em treinos e disputas com lutadores de Jiu-Jitsu e judocas do mais alto nível. Já passei por muitas coisas, vitórias e derrotas, momentos que marcaram minha história, mas nada comparado a este compromisso. Entrar ali, ao lado do Álvaro, para uma luta com um objetivo tão especial, foi emoção demais, e ultrapassou tudo o que já vivi. Creio que foi um ato muito nobre e corajoso da parte dele”, diria Antônio.

“Estou honrado e orgulho por ter feito parte desse dia, uma luta em que celebramos a vida e a história de um irmão gigante. O Jiu-Jitsu é muito mais do que medalhas, treinos e competições – juntos nós fazemos a diferença. Foi incrível sentir todo o respeito, carinho e amor partilhado, e ver todo mundo emocionado. Nos unimos em torno do Álvaro para mais uma grande batalha e vamos fazer a diferença juntos, em família”, completou o amigo – derrotado no placar, mas energizado para sempre após uma luta que ninguém ali vai esquecer.

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