Repórter do UFC BJJ, Mayara Munhos fala sobre Jiu-Jitsu, jornalismo e adaptação

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*Por Gabriel Oliveira 

“O Jiu-Jitsu mostra que você é capaz de tudo, desde que se capacite para isso”, diz a jornalista e faixa-preta Mayara Munhos, repórter oficial do BJJ UFC, com passagens por veículos como a ESPN Brasil. “O Jiu-Jitsu muda vidas, dá propósito e confiança. É um esporte diferente!”

Em 2017, Mayara publicou uma reportagem que teve enorme repercussão à época, pauta que ficou conhecida como Assédio nos Tatames. “Por conta dessa matéria, em 2019 fui convidada para ir à Câmara dos Deputados em Brasília para ajudar no desenvolvimento de um projeto de lei que protege mulheres de abuso no esporte”, conta a jornalista, que também comanda o canal “Jiu-Jitsu in Frames”, no Youtube e no Instagram.

Na entrevista a seguir, a equipe de GRACIEMAG perguntou a Mayara quais dicas ela daria aos jovens que têm o sonho de trabalhar com o mercado de comunicação voltado para os esportes de luta. “Estejam abertos para adaptações, porque o mundo está mudando muito rápido e precisamos acompanhar”, respondeu.

Confira essas e muitas outras lições na conversa franca abaixo. Oss!

Além de jornalista especializada nos esportes de combate, você se formou faixa-preta de Jiu-Jitsu e ainda obteve resultados muito bacanas como competidora. Em que a sua formação no BJJ contribuiu para a sua carreira midiática e vice-versa?
MAYARA MUNHOS: Minha formação no Jiu-Jitsu me ajudou a enxergar o mundo de outra forma. O Jiu-Jitsu mostra que você é capaz de tudo, desde que se capacite para isso. No início eu achava que não conquistaria certas coisas na minha vida profissional. Hoje estou realizando sonhos, justamente porque estudei muito, trabalhei bastante, tive várias experiências. No Jiu-Jitsu é a mesma coisa. Como faixa-branca, eu via um faixa-preta e pensava “não vou conseguir fazer isso nunca.” Hoje eu consigo. Também acho que estar envolvida no Jiu-Jitsu como uma “atleta” me faz entender quando o competidor está ou não pronto para falar, por exemplo. Me faz ter uma noção melhor do que perguntar, quando perguntar… Acredito que, principalmente sendo especializada nesse mundo de esportes de combate, o treino e a experiência de competição me ajudam a ter esse tipo de sensibilidade.

Você fez uma reportagem que teve enorme repercussão, pauta que ficou conhecida como “assédio nos tatames.” Você poderia falar um pouco sobre isso?
Sempre fui muito envolvida com mulheres no BJJ e sempre quis ver mais mulheres no tatame, porque quando comecei a treinar em 2006 eram poucas. Conversando com várias, comecei a notar muitas reclamando de assédio nos tatames, falando como uma forma de desabafo. Eu também já passei por uma situação de assédio. Na época, trabalhando na ESPN, pensei que seria uma maneira de dar voz a essas mulheres através de uma plataforma grande, que fosse atingir bastante gente – e, de fato, atingiu. Em 2016, lancei uma pesquisa e enviei em alguns grupos de Jiu-Jitsu feminino, pedindo para que respondessem anonimamente e esperando algo como 50 respostas. Mas no final, eu tive 259 respostas, onde 61,6% das mulheres afirmaram ter sofrido assédio. Eu comecei a pesquisa em 2016, mas publiquei só no ano seguinte porque recebi muitos relatos e foi uma leitura difícil para mim, tive que digerir. Foi a primeira pesquisa sobre assédio nos tatames publicada no Brasil. E fez bastante barulho! Fui citada em diversas outras pesquisas depois, inclusive acadêmicas, chamada para entrevistas e, o mais legal, em 2019 fui convidada para ir à Câmara dos Deputados em Brasília para ajudar no desenvolvimento de um projeto de lei que protege mulheres de abuso no esporte. A lei ainda não foi aprovada e segue em tramitação, mas atingiu mais gente do que eu pensava. Ainda hoje, quase dez anos depois, infelizmente recebo relatos de diversas mulheres. Por outro lado, fico feliz por ter levado isso tão longe, porque sei que isso pode ajudar a vida de muitas mulheres e até conscientizar homens, quem sabe.

Hoje você é repórter oficial do UFC BJJ. Como foi que você se aproximou do Ultimate e como é trabalhar nesse grande evento?
Comecei no UFC em 2023, para cobrir a licença maternidade da Evelyn Rodrigues, que é correspondente internacional da organização. Recebi a proposta para cobri-la e aceitei, claro. Logo quando cheguei, o UFC estava engatinhando com o UFC Fight Pass Invitational, o evento de grappling do UFC e consequentemente, como eu já estava lá, só uniram o útil ao agradável, já que, apesar de cobrir MMA e adorar o esporte, o que eu sempre vivi mesmo foi o Jiu-Jitsu. Então, quando o evento estava caminhando para o UFC BJJ, eles me oficializaram como a correspondente internacional do evento. Hoje, sigo trabalhando com o MMA no UFC e no Dana White’s Contender Series, mas oficialmente os eventos que faço todos são os UFC BJJ. É uma honra, sempre trabalhei bastante e sempre quis ver o Jiu-Jitsu no mainstream, então fazer parte dessa revolução é fruto do que sempre quis. Ou até mais do que sempre imaginei, para falar a verdade.

Quais foram os grandes desafios que você enfrentou ao longo da carreira?
Acho que especificamente quando eu trabalhava na ESPN, eu era responsável por todo conteúdo do portal espnW – que era o portal da mulher no esporte. Era muito difícil emplacar pautas, conseguir equipe… Porque é sobre mulher, né? Então parece que não adianta só chegar com uma pauta legal, você precisa convencer todo mundo de que vale a pena. Mas acredito que, aos poucos, chegamos lá. Por exemplo, o Bola da Vez era um programa na ESPN Brasil que trazia convidados geralmente de esportes olímpicos, homens e mulheres. Mas nunca tinham levado ninguém do MMA. Consegui mostrar que seria importante e colocar a Amanda Nunes como convidada pela primeira vez na bancada logo depois que ela venceu o primeiro cinturão dela no UFC. É tipo ir plantando várias sementinhas. Demora, mas quando acontece é compensador. Considero isso um grande marco!

Você já fez diversas entrevistas com grandes lendas do mundo das lutas. Quais você destacaria e quais foram as grandes lições que você aprendeu nesse contato direto com os ídolos?
Nossa, difícil! Eu já fiz muita entrevista que eu saí cheia de aprendizados… Posso dizer que ter entrevistado o Demian Maia foi uma coisa muito louca, primeiro porque eu nunca imaginava que chegaria a esse nível. E depois porque eu consegui entender a mentalidade dele da faixa-branca até a preta. Isso foi em 2021, lembro que saí da academia dele pensando em tudo o que ele falou, acho que melhorei até no Jiu-Jitsu, sempre fui fã dele! Hoje somos parceiros de trabalho. Amanda Nunes também foi uma atleta incrível que entrevistei. Ouvir toda história dela, tudo o que ela passou para chegar onde chegou e hoje ter se tornado um dos maiores ícones do MMA no mundo. E isso tudo sem perder a simplicidade, o jeito de ser.

Uma outra que me marcou muito, apesar de não ter sido tão profunda, foi bem rápida, mas foi o Charles do Bronx. Me marcou porque foi a minha primeira entrevista dentro do UFC. Imagine te mandarem o Charles logo de cara, fiquei nervosa. Eu tinha conhecido ele pessoalmente pela primeira vez no dia anterior, a equipe me apresentou para ele e lembro de ele ter dito: “Bem-vinda, pode contar comigo para o que precisar”. Pô, o cara é do tamanho que é e me fala isso… Daí, no dia seguinte, um pouco antes de eu entrar ao vivo no Bancada UFC, me mandaram ele. Eu estava tremendo, e deu tudo certo, acho que quebramos o gelo no dia anterior e ele me tratou muito bem. É outro cara que parece que não importa o que aconteça na vida ou o tamanho dele, mas ele segue sendo humilde, dando a atenção que consegue para todo mundo. Eu acho que o mais legal de você se aproximar dessas pessoas é você ver que são “gente como a gente.”

Qual é o seu grande objetivo para o futuro da carreira?
Pretendo cada vez mais espalhar a palavra do Jiu-Jitsu pelo mundo. Seja pelo meu canal (o Jiu-Jitsu in Frames), seja pelo UFC… É a minha paixão… Poder unir mídia e Jiu-Jitsu é tudo para mim! Então quero ver o BJJ crescer e eu crescer junto, claro. Também quero continuar desenvolvendo minha empresa, produzindo conteúdo para atletas, trabalhando como media trainer e ajudando eles a terem sucesso.

Quem é o seu grande ídolo no BJJ?
Sem querer ser puxa-saco, mas é real, eu tenho vários ídolos, mas posso dizer que André Galvão é um dos maiores. Eu digo sobre puxar-saco porque ele que me deu a faixa-preta e não apenas é meu professor, mas meu chefe, já que trabalhamos juntos na Atos BJJ On Demand. Mas eu acho incrível ver tudo o que ele já conquistou tendo pouco – e como ele conseguiu ser bom no kimono e sem kimono igualmente. Como eu já falei antes, o bom de você se aproximar dessas pessoas é entender a mentalidade delas e ver que são gente como a gente. Eu sou muito próxima do André, trabalhamos juntos há três anos, então o admiro muito como atleta e pessoa. Nunca sei como ele dá conta de fazer tudo o que faz, cuidar da academia, da plataforma, dar aula e ainda desenvolver a carreira de diversos atletas, incluindo a própria filha.

Também sou muito fã da Letícia Ribeiro, porque é uma das pioneiras do Jiu-Jitsu feminino e construiu a carreira de uma das maiores de todos os tempos, que é a Bia Mesquita. Ela é outra que dá conta de tudo, construiu uma carreira indiscutível como atleta, lidera a academia, até hoje segue com a Bia, é uma das principais peças no conjunto de regras do UFC BJJ.

Quais dicas você daria aos jovens que têm o sonho de trabalhar com o mercado de comunicação voltado para os esportes de luta?
Eu indicaria que, primeiro, treinasse. Não acho que é uma obrigação, mas eu acho que faz muita diferença você treinar e conseguir entender a mentalidade, o que cada um passa lá dentro… Não precisa ser um rato de academia, mas só para saber como é a experiência. Com certeza para mim, treinar sério por todos esses anos faz muita diferença, eu me sinto bem mais inspirada e confiante. Também diria para consumir muito conteúdo de outros esportes e ter referências diferentes, para fugir um pouco daquilo que todo mundo faz. E para que se capacite, escolha bons profissionais para acompanhar, estude, aprenda inglês e esteja aberto para adaptações, porque o mundo está mudando muito rápido e precisamos acompanhar.

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