Do baú: Rose Namajunas, a campeã de lábios fechados

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Rose Namajunas posou com Joanna Jedrzejczyk em evento pré UFC 223. Foto: Zuffa LLC via Getty Images

* Em tributo ao triunfo da Rose Namajunas, que faturou o cinturão peso-palha ao nocautear Weili Zang no UFC 223, no último sábado (24), nossa equipe foi buscar no fundo do baú este artigo originalmente publicado na edição #253 de GRACIEMAG, em 2018. Para saber como acessar mais conteúdo exclusivo, visite aqui.

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Joana Jedrzejczyk tinha tudo para se tornar a maior campeã feminina do MMA. Com um jogo assustador na luta em pé, boas defesas de queda e um gás aparentemente inesgotável, a polonesa havia superado com autoridade todas as desafiantes ao título peso-palha do UFC. Invicta com 14 vitórias consecutivas, ela já levava analistas a falar em estagnação da categoria, cogitando possíveis superlutas para a bruta.

O problema é que Joana parece ter se encantado pelo próprio mito. Acreditando ser tão invencível quanto lhe diziam, ela passou a se mostrar arrogante e agressiva fora do octógono. Estava se tornando mais difícil simpatizar com Jedrzejczyk do que pronunciar seu sobrenome.

Por isso foi tão gratificante vê-la cair nocauteada pela atleta que era sua antítese. Assistir a Rose Namajunas destruir Joana no UFC 217 talvez fosse o que o MMA precisava para repensar seus ídolos. Namajunas sempre foi uma atleta respeitosa e discreta. Apesar de ter finalizado duas das queridinhas do UFC – as belas Michelle Waterson e Paige VanZant –, Rose continuava fazendo seu trabalho sem usar apelos midiáticos como atalhos. O cabelo raspado deixava de destacar seu rosto bonito e a fazia ser comparada à personagem Eleven do seriado “Stranger Things”.

Jedrzejczyk viu na aparente fragilidade de Rose um alvo perfeito para praticar o bullying, no pior estilo de high school americano. Querendo aparecer para a produção do evento e afetar psicologicamente a oponente, Joana extrapolou os limites éticos que devem pautar praticantes de artes marciais. Fez caras e bocas, xingou Rose, empurrou o punho em seu rosto durante a coletiva de imprensa e chegou ao cúmulo de persegui-la nos bastidores. “A bicho-papão está vindo atrás de você, Rose! Eu vou quebrar os recordes da Ronda Rousey, e tenho uma surpresa para vocês. Não pisquem! Rose, você não está pronta!” berrava Jedrzejczyk após a pesagem para a luta.

Enquanto isso, Namajunas mantinha-se quieta. Ela chegou a se emocionar após o circo armado pela sua rival na véspera da luta, levando especialistas a dizerem que ela já estava derrotada antes mesmo de entrar no octógono.

Na hora do combate, porém, a história foi outra. Rose, concentrada, partiu para a ofensiva. Joana aparentava buscar alguma sequência espetacular para a televisão. Sem se intimidar, com pouco menos de dois minutos de luta, Namajunas acertou um direto e levou a campeã a knockdown. Joana ainda conseguiu se levantar, mas estava visivelmente abalada, física e emocionalmente. Aquele soco foi o suficiente para desmanchar toda a ilusão de grandeza. A luta seguiu com a desafiante caçando a polonesa até acertar um cruzado perfeito de esquerda na ponta do queixo. Jedrzejczyk caiu sentada, vexatoriamente, e recebeu uma sequência destruidora de socos até a interrupção do árbitro. A “bicho-papão” fora nocauteada e Rose provou que estava mais do que pronta.

O esporte aceita uma certa arrogância mas castiga impiedosamente a soberba. Que o digam Anderson Silva e Ronda Rousey. Algum excesso de orgulho é até compreensível no MMA, onde a autoconfiança é fundamental para que um atleta seja campeão. Todavia, quando esse excesso descamba para uma visão distorcida de invencibilidade que leva um lutador a não levar o oponente a sério, geralmente o resultado é uma derrota amarga. A maior queda é sempre a do pedestal.

Para coroar essa vitória espetacular, Namajunas deu a entrevista mais bela e certeira que já vi no UFC: “O MMA tem tido muita provocação e coisas do tipo, e sinto que as pessoas não têm sido verdadeiras consigo mesmas, nem honestas. Talvez elas pensem que precisam fazer isso para entreter, mas estou cansada disso. Estou cansada do ódio, da raiva. Sinto que tenho um dever como lutadora de ser um exemplo melhor. Acho que chegou a hora de uma nova era no esporte”.

Ela tem toda a razão. O excessivo destaque dado pelo UFC ao sensacionalismo barato é nocivo para o esporte. Leva atletas a fazerem mais esforço para provocar polêmicas do que para apresentar boas lutas. Gera falta de respeito entre lutadores dentro e fora do octógono. Fabrica “bullies” como Joana Jedrzejczyk e campeões covardes como Michael Bisping. O retrato mais emblemático disso é a atenção despendida com o medíocre Colby Covington, cujas provocações forçadas e sem graça causariam vergonha ao Joselito Sem Noção, saudoso personagem do humorístico “Hermes & Renato”.

Não estou dizendo que sou contra qualquer “trash-talk” ou que todos os lutadores têm de ser bonzinhos como Rose. É lógico que as rivalidades, as diferenças de estilos e até mesmo as provocações bem humoradas são divertidas em qualquer esporte de combate. O problema é quando isso vira o foco principal, no lugar do mérito esportivo. Daí não custa nada para o MMA virar o WWE (principal organização de pro-wrestling, aquela “luta” ensaiada que tanto agrada aos americanos).

Realmente chegou a hora de uma nova era no esporte, Rose. Está na hora de valorizarmos não só os McGregors e Rouseys mas também campeões exemplares como Namajunas, Robert Whitaker, Stipe Miocic e Demetrious Johnson. Está na hora de o MMA sair da adolescência e amadurecer como esporte.

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