Mirko Cro Cop, Gabriel Napão e o dilema de Maquiavel

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Cro Cop desfere a canelada em Fedor Emelianenko, no Pride. Foto: Arquivos NOCAUTE

 

Em 2007, Mirko “Cro Cop” Filipovic era o lutador de MMA mais temido do mundo. O peso pesado croata havia acabado de ganhar o Grand Prix absoluto do Pride FC, torneio que o coroava após cinco anos de impressionantes nocautes na então maior organização do MMA mundial.

O único lutador que de fato lhe fazia frente, o russo Fedor Emelianenko, sofria seguidas contusões e atuava pouco. Filipovic lutava simultaneamente no Pride e no K-1, famoso evento de kickboxing. Seus socos eram pedradas, suas defesas de queda eram eficientíssimas e o seu chute… Bem, o chute de perna esquerda de Cro Cop merece um capítulo próprio em qualquer antologia das artes marciais.

Tratava-se de uma combinação perfeita de velocidade, potência e precisão. Plásticos chutes na cabeça que deixaram nomes como Wanderlei Silva, Alexander Emelianenko e Igor Vovchanchin apagados no ringue. Um golpe que merecia uma gritante interjeição, como no antigo seriado do Batman: “Pow!” Boa noite!

Além disso, Filipovic havia sido membro das forças especiais da polícia croata (daí o apelido, abreviação de “Croatian Cop”). Sim, Mirko era um Capitão Nascimento croata, kickboxer e gigantesco. Ele tinha até o seu próprio bordão: “Perna direita: hospital. Perna esquerda: cemitério”. Não dá para ser mais amedrontador do que isso, parceiro.

Quando foi contratado a peso de ouro pelo UFC, há oito anos, Mirko fez o caminho inverso da maioria dos lutadores que buscavam ir para o Pride. Aliás, a contratação de Cro Cop foi o primeiro grande sinal da futura hegemonia do UFC e do crepúsculo da organização japonesa. Em sua primeira luta nos Estados Unidos, tudo correu conforme o esperado e o ex-policial nocauteou Eddie Alvarez no primeiro round. O script de Dana White previa mais uma luta para credenciar Mirko e então colocá-lo para disputar o cinturão contra Randy Couture.

Só se esqueceram de passar o roteiro para Gabriel “Napão” Gonzaga.

Tido como mero trampolim, Napão fez o croata provar do próprio veneno e aplicou um fantástico chute na cabeça que apagou Filipovic.

Confesso que, vendo a luta em casa, pulei da poltrona, fiquei muito contente e assisti 78 vezes ao replay. Hoje, sabendo o que aconteceu com a carreira do mítico Cro Cop após esse nocaute, me sinto até um pouco triste por ter comemorado tanto.

O chute improvável do campeão mundial de Jiu-Jitsu parece ter desligado algo na máquina de bater croata. A partir daí, sua confiança e resistência nunca mais foram as mesmas. Mirko passou a se apresentar mais lento e hesitante. Seguiram-se derrotas para Cheick Kongo, Junior Cigano, Frank Mir, Brendan Schaub e Roy Nelson (as quatro últimas por nocaute). Cro Cop anunciou sua aposentadoria do UFC e passou a lutar em organizações menores.

O curioso é que, à medida em que Mirko ia perdendo sua aura de frieza e periculosidade, foi aumentando a legião de torcedores que o reverenciavam por seu histórico e queriam que ele voltasse a vencer. Sua carranca ameaçadora ia sendo substituída, cada vez mais, por sorrisos nas entrevistas.

Eis o velho dilema abordado por Maquiavel: “É preferível ser temido ou ser amado?”. Ao contrário do filósofo italiano, Filipovic parece ter escolhido a segunda opção. Esse amor dos fãs e a falta de novos expoentes no peso pesado levou o UFC a recontratar Cro Cop em 2015, e anunciar sua volta justamente em uma revanche contra Gabriel Napão. Agora, no evento de 11 de abril, na Polônia, o brasileiro será o favorito.

Qualquer que seja o resultado da revanche, acredito que Mirko não tem mais condições de disputar o cinturão ou de vencer os principais nomes da categoria. Contudo, torço para que ele recupere aquela confiança ao lutar, faça combates interessantes contra outros veteranos, tire do armário alguns daqueles chutes mortais e encerre sua carreira, definitivamente, combinando o respeito e o afeto merecidos.

 

* Artigo publicado originalmente em GRACIEMAG #217.

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