Uma breve história do MMA moderno e do vale-tudo antes da explosão do UFC
O octagon do UFC. Foto: Josh Hedges/UFC.

O octagon do UFC. Foto: Josh Hedges/UFC.

Como surgiu o MMA

No dia 12 de novembro de 1993, quando o primeiro show Ultimate Fighting Championship foi realizado, na cidade de Denver, Colorado, o planeta foi enfim apresentado a uma modalidade de luta praticada no Brasil havia mais de 70 anos – desde o dia em que grande mestre Carlos Gracie, para não complicar as regras do embate com o temido capoeirista Samuel, nos anos 1920, definiu: “Vale tudo”. Sem luvas, sem jurados, sem regulamentos.

Com a transmissão de TVs, a troca de fitas entre amigos, a massificação de reportagens – campo no qual a editora GRACIE foi pioneira – e depois com a internet, hoje ninguém mais estranha ver duas pessoas lutando dentro de uma arena octogonal, revestida por grades. A trajetória do hoje famoso MMA, contudo, foi marcada por histórias curiosas e por muitos ídolos – brasileiros, americanos, japoneses e russos, entre outros.

De 1932 a 1967, o mito Helio Gracie ajudou o vale-tudo a se tornar extremamente popular no Brasil. Foi, de início, um tempo de finalizações relâmpagos por parte dos lutadores de Jiu-Jitsu. “O povo até desconfiava ao ver aquilo nas feiras e arenas ao ar livre, pois era difícil crer que uma arte marcial poderia ter uma eficiência tão fulminante”, lembraria Helio Gracie. Mas seria também uma era de grandes guerras, depois que os oponentes também passaram a treinar Jiu-Jitsu.

Mas seria também uma era de grandes guerras, depois que os oponentes também passaram a treinar Jiu-Jitsu. “Bati o recorde de tempo em cima de um ringue, no vale-tudo contra o Valdemar Santana – durou 3h45min sem intervalos. Foi a maior luta do mundo. O livro ‘Guinness’ dos recordes não quis registrar apenas para não dar exemplo”, dizia Helio, com bom humor.

Jovens craques na época, Carlson Gracie, seus irmãos Robson e Rolls, João Alberto Barreto, Ivan Gomes, Euclides Pereira e muitos outros mantiveram o vale-tudo em voga, no Rio de Janeiro e em eventos espalhados por todo o Brasil.

Como surgiu o Octagon do UFC

Primeiro filho de Helio, Rorion Gracie conhecia bem todos esses feitos. Rorion mudou-se para os EUA em meados dos anos 1970. “Vim para estabelecer o Jiu-Jitsu na América”, explicou o fundador da Gracie Jiu-Jitsu Academy, em reportagem publicada ordinalmente na edição #33 de GRACIEMAG.

“Eu dava aulas na minha garagem e quem levasse um amigo ganhava uma aula de graça. O negócio foi crescendo, abri uma academiazinha e, em janeiro de 1993, com essa propaganda boca-a-boca, já tinha conseguido convencer muita gente que o Jiu-Jitsu era a arte marcial mais eficiente do mundo. Foi quando, conversando com um aluno que tinha boa noção de marketing, chegamos à conclusão que era hora de fazer um show para a televisão”, lembra. Essa reunião aconteceu em Torrance, Califórnia, e nela o embrião do UFC de outros eventos de vale-tudo da era moderna estava sendo fecundado.

“Royce sempre se manteve no barco comigo, passamos juntos por dificuldades financeiras, e até fome” Rorion Gracie

Projeto montado, Rorion pegou um voo para Nova York e apresentou a ideia do show “War of Worlds” (“Seria uma guerra entre os mundos das artes marciais”, de acordo com Rorion) para a empresa Semaphore Entertainment Group (SEG).

“Eles gostaram e disseram que se eu conseguisse produzir um evento como aquele, eles botariam na TV”, lembra. E foi na academia de Jiu-Jitsu que o professor conseguiu tudo que precisava para implementar o projeto. “O primeiro problema era a grana. Eu não tinha um tostão! Então, reuni um grupo de alunos e apresentei a ideia: quem quisesse ser meu sócio, depositaria uma quantia na minha firma W.O.W. Promotions para a realização do primeiro evento. Se a coisa desse dinheiro, cada um ganharia um pouco. Trinta pessoas entraram e levantei 150 mil dólares”, recordou Rorion.

Um dos pontos mais curiosos na história do UFC foi o surgimento do agora imortal octagon, a arena em forma de polígono e cercada por grades, ali onde se trancam dois lutadores, um juiz e se realiza o combate. Preocupado com a lembrança dos antigos vale-tudos, em que um dos lutadores geralmente se aproveitava do ringue de cordas para escapulir e paralisar a luta, o Gracie cogitou de tudo – plástico à prova de bala, cerca eletrificada e até um tanque com crocodilos ou tubarões. Foi quando o aluno John Milius, que tinha dirigido “Conan, o Bárbaro” e escrito filmes como “Apocalypse Now”, desenhou o ringue na forma octogonal, como se apresenta até hoje.

“O próximo passo foi a escolha da cidade”, recapitulou Rorion. “E essa foi a primeira barreira que enfrentei, pois as comissões atléticas de boxe da maioria dos estados americanos proibiam lutas de mãos limpas. Estudei as leis e chegamos à cidade de Denver, no Colorado, pois é central e de fácil acesso para todos os outros estados. Alugamos a arena, trouxemos médico, ambulância, segurança. Pagamos o show, os prêmios, as passagens, o hotel. Eu e meu sócio Art Davis controlamos tudo. Foi como se fosse um filme, uma trabalheira do cacete”, disse, com orgulho.

Faltavam os artistas do espetáculo: “Entrei em contato com 50 revistas de artes marciais do mundo inteiro e coloquei anúncios por dois ou três meses. Dentre os currículos recebidos, peguei os mais bem ranqueados e pus o Royce como o oitavo lutador de um torneio eliminatório”.

A pergunta que todos fizeram na época (“Por que o Royce, já que a família era tão extensa?”) foi assim respondida por Rorion: “Por dois motivos: o primeiro, uma questão de solidariedade. O Royce sempre se manteve no barco comigo, passamos juntos por dificuldades financeiras, e até fome. Ele tornou-se mais do que meu irmão, e na hora eu perguntei se ele queria. Ele respondeu: ‘Eu entro’. Tava feito. A outra razão foi o jeito do Royce – 27 anos, magrelinha, era um exemplo máximo do Jiu-Jitsu que eu estava promovendo. Imagina se coloco um Mark Kerr representando a academia Gracie? De que adiantaria? O mundo quer ver a técnica do Davi vencer o Golias, e não o Golias dar porrada no Davi. Claro que a gente sabia o quanto o Rickson era bom de porrada, e não tenho dúvidas que teria se dado bem no Ultimate. Mas se tivesse sido ele, teriam falado, ‘Ah, com esse aí não tem nem graça…’”, explicou.

E a exibição desse “magrelinha”, em cinco eventos realizados entre novembro de 1993 e abril de 1995, impulsionou o Jiu-Jitsu e o vale-tudo de uma maneira assustadora no planeta. No início, o maior desafio era enfrentar o inesperado. “Peguei fitas dos caras lutando torneios em suas regras: K-1, Pancrase etc”, lembrou Royce Gracie, tricampeão dos primeiros UFCs. “Que rolava adrenalina rolava, mas foi mais fácil do que eu esperava, principalmente o primeiro”, comentaria.

Royce venceu três lutas na primeira edição. Quatro meses depois, lutou o UFC 2, em que as chaves foram ampliadas para 16 lutadores. O campeão venceu sem problemas suas quatro lutas, entre elas uma com o japonês Minoki Ichihara. “Aí o negócio foi parar no Japão”, conta Rorion. “Tanto é que convidaram o Royce para lutar lá, mas não aceitei as condições e acabou indo o Rickson”.

“Levamos uma carta de apresentação do Roberto Marinho para o senador Antonio Inoki, que realizava lutas profissionais no Japão” Rickson Gracie

A cruz de Kimo Leopoldo

Foi em setembro de 1994, no Ultimate 3, que Royce Gracie passou pelo seu primeiro sufoco. O adversário logo na primeira luta era o havaiano Kimo Leopoldo, um casca-grossa que saiu do vestiário carregando uma enorme cruz. Os dois travaram aquele que foi apontado como uma das mais dramáticas lutas de vale-tudo do início da era moderna. Kimo conseguiu se posicionar bem, chegou a ir para as costas do brasileiro, mas depois de alguns minutos de uma movimentação frenética, o faixa-preta carioca pôs na guarda e finalizou o oponente, com uma chave de braço. “Foi um dos caras mais fortes com quem já lutei, uma força de maluco”, diz Royce. “E eu entrei no jogo dele e quis trocar força. Ele cansou, mas eu cansei também”, analisou. Na sequência da luta, deu-se uma história de bastidores das mais curiosas, contada pelo próprio personagem:

“O tempo que passou entre eu descer do octagon após a luta e pisar lá novamente foi de dez a 15 minutos, no máximo. Fui para o vestiário, tirei o kimono, tomei um banho, vesti o kimono novamente e já estavam batendo na porta. A gente formou a fila, como de costume, mas pedi para dar uma deitada no chão para descansar. Meu irmão Relson e o Fabinho (Santos) disseram que, enquanto eu estava deitado, me perguntaram se eu queria algo, e respondi: “Um suco de melancia”. Todo mundo riu, mas nem lembro disso – não tinha melancia por lá. Levantei e caminhei para o octagon. O juiz perguntou se eu estava pronto e concordei, mas virei para o córner e falei: ‘Gente, faz alguma coisa, não estou enxergando nada.’ O Relson tentou me tirar para descansar, mas o Rorion não permitiu. Dali do octagon só sairia um vencedor. E os caras jogaram a toalha”, recordou Royce. “Foi o pior dia da minha vida”.

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Royce Gracie durante sua vitória dramática contra Kimo Leopoldo, em 1994. Foto: Susumu Nagao/Arquivos GRACIEMAG

O Gracie voltou na edição seguinte, em dezembro de 1994 em Oklahoma, e depois de finalizar Ron van Clief e Keith Hackney, entrou no octagon para enfrentar o grandalhão Daniel Severn, ex-campeão mundial de luta greco-romana. Dan tinha dado show em suas vitórias anteriores, esbagaçando os adversários seguidamente com suplês, em que o oponente é arremessado de costas no chão. “Vi as lutas do Severn, pois sempre pedia uma TV no vestiário. Mas aquilo não me assustou. Eu não ia entrar lá para trocar em pé com ele, ia sentar e fazer guarda”, lembrou Royce. Foi o que aconteceu. Após fazer guarda por pouco mais de 15 minutos, tomando uma dura do primeiro grande wrestler a surgir no vale-tudo, Royce o finalizou com um estrangulamento executado com suas pernas, e apresentou ao mundo o golpe batizado no Jiu-Jitsu de triângulo. Enquanto o brasileiro preparava o golpe, o comentarista Jeff Blatnick, ex-ouro olímpico de greco, arriscou: “Royce está tentando puxar Severn pela cabeça e sair por baixo, mas não há nada aí”. Segundos depois o americano desistia, batendo com uma das mãos seguidamente na lona.

Outro fato digno de nota marcou o Ultimate 4, evento em que Royce teve talvez sua melhor atuação. “Tínhamos uma reserva de duas horas na televisão”, lembra Rorion Gracie, o organizador. “O prazo de transmissão via satélite se esgotou dois minutos antes de acabar a final e começou outro programa. Foi a maior confusão da história do pay-per-view americano. Milhões de pessoas não viram o desfecho da luta, funcionários da TCI (empresa que comercializava o ppv) foram demitidos e tivemos de reembolsar todo mundo. Não ganhei grana alguma naquele show, mas foi uma polêmica, uma onda, uma fama que dinheiro nenhum compra”, avalia. Apesar da boa popularidade alcançada, a história teve um outro lado determinante na saída de Royce do UFC. “Internamente, a SEG me pressionou para colocar limite de tempo nas lutas, mas eu questionei. A graça do negócio era justamente esta, nas lutas sem tempo o fator psicológico tem um peso fundamental. O atleta pensa: ‘O negócio não vai acabar? Então vou ter de enfiar a porrada nesse cara aí’. E quem força a barra para ganhar, sem preparo e sem técnica, cansa e perde”, explica Rorion.

No UFC 5, em abril de 1995, foi marcada uma luta desafio entre Royce e Ken Shamrock. “Foi uma das maiores audiências do show em muitos anos”, diz Rorion. Ken, que já havia batucado para o faixa-preta de Jiu-Jitsu no Ultimate 1, entrou para não perder. “Até o pai dele gritava do córner: ‘Você veio aqui só para agarrá-lo? Beija o cara então!’”, recordou Royce, que após os 35 minutos previstos, empatou pela primeira vez na carreira. “Com o empate, os caras então quiseram colocar jurados, aí eu disse que eles iam matar o show de vez e resolvi pular fora. Tirei o Royce e vendi minha parte para a SEG”, conta Rorion.

Em julho de 1995, o UFC 6 foi realizado e uma presença aliviou um pouco a tristeza pela saída de Royce: o polêmico David “Tank” Abbott, que não chegou para vencer, mas para tumultuar – e popularizar ainda mais o evento. Suas características não eram a técnica. Pançudo, beberrão e arruaceiro, Abbott viria a se tornar um dos símbolos da organização, tornando-se a capa do livro “The Ultimate Fighting Championship Official Book”, do fotógrafo pioneiro Susumu Nagao, editado após o UFC 12. Na estreia, Tank perdeu para o russo Oleg Taktarov, o primeiro lutador de sambo a levar o cinturão. Apesar da saída de Royce Gracie, o show tinha de continuar.

A semente do Pride e do MMA no Japão

Alguns anos antes do primeiro UFC, Rickson Gracie já almejava se lançar na terra mãe das artes marciais. “O Marcelo Behring, meu aluno, tinha um patrocinador em São Paulo que queria levá-lo para o Japão e ele me pôs a maior pilha para ir também. O Marcelo acabou desistindo, mas eu já estava tão preparado para a viagem que fui com o Serginho Zveiter, e a gente mesmo bancou as despesas”, recorda Rickson, que era conhecido no Brasil desde as lutas com Rei Zulu, nos anos 1980 (vídeo a seguir).

“Levamos uma carta de apresentação do Roberto Marinho para o senador Antonio Inoki, que realizava lutas profissionais no Japão, mas não adiantou. A única proposta deles era de eu sair com um grupo de lutadores em turnê pelo país, o que não me interessou, pois eram umas lutas fracas, e podia até ter marmelada. Porém, quando eles quiseram realizar o Vale Tudo Japan Open, em 1994, fizeram uma pesquisa sobre lutadores no mundo e meu nome apareceu bem cotado”.

Astro maior do Jiu-Jitsu com kimono, Rickson chegou ao Japão sem conhecer o lugar, seus costumes nem o estilo dos oponentes, mas pronto para a guerra. “Procurei me adaptar o mais rapidamente possível ao local, sem me preocupar muito em julgar nada, apenas aceitar. Quanto aos adversários, essa parte eu entreguei a Deus. Fui lá para matar ou morrer. Se eu me preocupasse com possíveis surpresas de nada adiantaria, seria apenas mais um inimigo na minha consciência”, reflete. E tudo ocorreu de maneira perfeita para Rickson e para os fãs de Jiu-Jitsu, naquele dia 29 de agosto de 1994, data do primeiro evento de vale-tudo realizado no Japão. O campeão venceu três adversários e impressionou a audiência local com sua técnica. Ninguém resistiu mais que poucos minutos.

Desde o primeiro evento, Rickson adotou o procedimento de chegar com muitos dias de antecedência à terra do sol nascente, sempre buscando se distanciar da correria do centro urbano de Tóquio. “Não gosto de chegar a um lugar para lutar no dia seguinte, fica um pouco complicado na minha cabeça ter de lutar para me adaptar e ao mesmo tempo me concentrar nos combates. Como ficar muitos dias em Tóquio é impossível por ser muito compacto e urbano, conseguimos negociar e ficar perto da natureza”, conta. “Na casa em que ficamos antes do primeiro evento, a janela dava para a estrada e tinha uma barulheira danada de caminhões passado. Mas no ano seguinte arrumamos um lugar bem legal”, lembra. Isso foi antes do evento de abril de 1995, realizado com o dobro de pessoas do ano anterior. Na ocasião, Rickson voltou a vencer três lutas.

Não foi tão rápido quanto no ano anterior: Yoshihisa Yamamoto, seu primeiro oponente, resistiu 18 minutos (dois rounds de oito minutos e mais dois minutos do terceiro). Na época, as imagens das lutas demoravam a chegar, e quando a notícia chegou ao Brasil, a duração do combate causou espanto geral: “Como o japonês aguentou tanto tempo?”. “Aconteceu um imprevisto”, recordava Kim, então esposa de Rickson e responsável por todos os detalhes que envolviam o “extra-campo” do lutador, inclusive a negociação das regras.

“O cara ficou agarrado nas cordas o tempo todo e não havia nada que punisse isso. O pior é que era previsível, pois os caras do pro-wrestling costumam fazer uso desse recurso, mas a gente não sabia. Cada evento era um detalhe novo com o qual se preocupar”, disse Kim. Aconselhado pelo irmão Royler no córner, Rickson mudou a estratégia no terceiro round. Em vez de insistir na luta colado às cordas, atraiu o oponente para o centro do ringue. Aí foi rápido: derrubou, dominou, pegou as costas e estrangulou o aluno do falecido mestre Masahiko Kimura, que havia vencido seu pai Helio Gracie, quatro décadas atrás. Uma espécie de revanche entre clãs, bem ao estilo japonês.

O Gracie passou facilmente pelos outros dois compromissos. O oponente da final, o valente magrinho Yuki Nakai, após ser finalizado, tornou-se inclusive um dos maiores entusiastas do Jiu-Jitsu no Japão, com participações em diversos Mundiais da modalidade. Para Rickson, a luta também marcou, pois foi a última participação dele no Japan Open.

“O evento do ano de 1994 foi o primeiro e teve um grande sucesso. Em 1995 a coisa praticamente duplicou em termos de público, impacto na mídia, bolsa dos lutadores etc. Chegou ao ponto que me fez almejar uma coisa maior para o Jiu-Jitsu, eu queria ver uma evolução em termos de grandeza de um evento para outro, mas eles não conseguiram dar esse salto em 1996. Eu já estava desenvolvendo um projeto maior com outros promotores, mas também não queria virar as costas para os organizadores, então levei o Royler para lutar. Não quis participar, pois se eu lutasse naquele evento nos mesmos moldes, estaria estagnando, e seria quase como andar para trás”, analisa o campeão, que voltaria a lutar em grande estilo em 1997, num novo evento que faria história: o Pride 1.

A febre do vale-tudo se espalha

No ano de 1995, apesar da saída de Royce Gracie do UFC, a febre do vale-tudo se espalhava pelo mundo. A SEG continuava a realizar o Ultimate, e outras organizações foram criadas produzindo shows nos EUA, Japão, Brasil e até na Rússia. No dia 23 de agosto, o Rio de Janeiro realizou, num Maracanãzinho apinhado, o Desafio Internacional de Vale-Tudo, vencido por mestre Hulk, da capoeira. No curto espaço entre setembro e dezembro do mesmo ano, cinco grandes eventos de vale-tudo foram realizados – quatro nos EUA e um na Rússia. O mais famoso deles foi o UFC 7, em 8 de setembro na cidade de Buffalo, NY, quando o veterano Marco Ruas teve sua grande chance na carreira e não desperdiçou: apesar de quase não poder participar por estar com a mão direita infeccionada, Ruas meteu um superbonder no corte e venceu suas três lutas, levando o cinturão para casa. Contra os trocadores, derrubava e finalizava. Contra judocas, sentava o punho e as caneladas. Era a consagração do cross-training, quando os atletas começaram a perceber que treinar de tudo também era um caminho para o topo.

As bolsas começavam a subir. Primo de Royce, o professor Renzo Gracie embarcou do Rio para Winston-Salem, na Carolina do Norte, e se apresentou em 7 de outubro de 1995 no ringue do World Combat Championship, evento que pagou a maior bolsa para um lutador nos Estados Unidos até então – 144 mil dólares. Apesar do pouco peso (76kg), sua exibição foi admirável: botou o judoca holandês Ben Spijkers para dormir, passou pelo wrestler Phil Benedict e estrangulou o boxeador James Warring na luta final.  Mas seu sucesso foi explicado pela seriedade dos treinamentos: chegou cedo aos EUA, teve bom número de sparrings e foi bem orientado por Carlos Gracie Jr. E mais, foi o pioneiro num procedimento que se repetiria muito na participação de brasileiros em eventos seguintes: levou o treinador de boxe Claudinho Coelho para o evento: “Nunca tinha saído do Rio”, contou Cláudio, que depois tornou-se figurinha fácil em eventos em diversos países, do Japão à Rússia.

Em seguida foi realizado em Wilmington, Carolina do Norte, o primeiro dos quatros shows Extreme Fighting, evento pioneiro na divisão de categorias por peso. Foi a vez de Ralph Gracie entrar como um pitbull na arena e detonar em menos de um minuto o oponente, e do faixa-preta Marcus “Conan” se destacar na categoria pesado. Carlson Gracie Jr, filho do lendário mestre que fez fama no vale-tudo, também atuou naquela arena, saindo com um empate contra o também lutador de Jiu-Jitsu John Lewis. “Os caras da organização queria polemizar com o nome Gracie nos EUA”, revelou Ralph na época. “Colocaram o Juninho e eu na mesma categoria e ainda queriam que eu o desafiasse na TV após as lutas do primeiro evento. Só que um Gracie não luta com outro”.

Selva gelada no MMA russo

Com as oportunidades de se fazer um dinheiro lutando, surgiram no cenário as pedreiras russas. Igor Zinoviev foi um dos primeiros, responsável pela derrota por interrupção médica de Zé Mario Sperry, máquina de vencer no Jiu-Jitsu esportivo. Mas numa gelada mesmo se viram os brasileiros quando começaram a ir lutar na Rússia. Renzo levou o teresopolitano Adílson Bita e o gigante Ricardo Moraes ao primeiro evento internacional da região, em novembro de 1995. Foi um torneio eliminatório com 32 lutadores, portanto o vencedor era obrigado a vencer cinco combates –uma guerra sem armas e luvas. O que não se contava era vencer também o frio, a armação das chaves beneficiadas e a máfia na hora de receber a bolsa. Quem assistiu àquelas fitas, no entanto, diria que foi um dos eventos mais eletrizantes dos primórdios do MMA – em termos de luta e de espetáculo. Já na terceira luta, Bita foi apresentado da pior maneira possível ao hoje famoso nocauteador Igor Vovchanchyn: levou um knockdown e caiu fazendo guarda. Deu uma cambalhota para trás para conseguir espaço para ficar em pé, mas quando ficou de frente o russo já estava com a canela em direção do seu rosto. Lona.

Ricardão por sua vez chegou detonando todo mundo até a final, quando enfrentou o wrestler Mikhail Ilyukhin, chamado pelos brasileiros de “Yuri Micha”. Mikhail finalizara Vovchanchyn na grosseria máxima: com um queixo no olho. A luta foi um clássico e Renzo recordou: “O russo derrubou, caiu na guarda do Ricardão e desceu a lenha durante alguns minutos. Eu estava preocupado e gritava para ele abrir a guarda e se afastar, mas Ricardão me tranquilizou. Dito e feito: o cara cansou de bater e tentou uma chave de pé. Ricardão foi para cima e montou, descontando tudo e gritando loucamente: ‘Inferno, inferno!’ Foi uma loucura”. No discurso final ao microfone, uma história curiosa: “Ricardão xingava os russos de tudo quanto é nome e eu traduzia dizendo que ele estava reverenciando o grande guerreiro do gelo, personagem de uma lenda russa.O estádio estava em silêncio para escutar o campeão, e a gente ouvia a gargalhada de um brasileiro, que da arquibancada entendia tudo, o sacana”, lembra o Gracie. A equipe ainda teve de cortar um dobrado para receber a bolsa, entregue por uns tipos suspeitos. Já a cara de Ricardo deformada era motivo de espanto para todos na longa viagem de volta para casa.

Em dezembro do mesmo ano, uma nova dinastia assumiria o trono do UFC: os wrestlers. Especialistas em derrubar, eles passavam a ficar por cima, espertos na guarda dos lutadores de Jiu-Jitsu e a salvo das caneladas dos strikers. Foi assim que o wrestler Dan Severn venceu o evento Ultimate Ultimate, após espancar Tank Abbott. “Passei dias tendo o pesadelo que estava sendo violentado pelo Fred Mercury”, faria graça Tank, depois. O sucesso de Severn e, nos dois UFCs seguintes, de Don Frye, abriu os olhos dos atletas de luta olímpica, que depois de tentar o sonho olímpico, poderiam ter uma ocupação rentável como lutadores de artes marciais mistas.

Tank Abbott solta o murro. Foto: Arquivo GRACIEMAG.com.

Tank Abbott solta a mão, num tempo em que o UFC era mais bifas e menos cifras. Foto: Arquivos GRACIEMAG.

A luta olímpica entra em cena no UFC

Quem chegou com estrondo ao octagon foi Mark Coleman, natural de Ohio que, pouco mais de um mês antes do UFC 10, havia vencido numa fase das eliminatórias para as Olimpíadas de 1996 outro gigante duríssimo: Mark Kerr. “Treinei seis meses para tentar as Olimpíadas de Atlanta, e depois que perdi nas últimas fases, mudei apenas minha preparação para o Ultimate”, disse Coleman, logo após detonar Don Frye na final do UFC 10, em agosto de 1996. Mark Coleman manteve facilmente o título dois meses depois, no UFC 11. Fabio Gurgel, lutador de Jiu-Jitsu carioca radicado em São Paulo, participou do torneio, mas perdeu antes da final e adiou seu confronto particular wrestling x Jiu-Jitsu. O primeiro confronto notório entre representantes das duas modalidades, por sinal, já ocorrera no UFC 9, com a vitória de Don Frye sobre Amaury Bitetti.

O segundo confronto entre craques dos dois estilos teve tons dramáticos, e o novo evento Reality Fighting foi o palco, em novembro de 1996. Na final de um torneio eliminatório de oito lutadores, encontraram-se Murilo Bustamante, faixa-preta de Jiu-Jitsu de 90kg, e o gigante de 130kg Tom Erikson. Bustamante foi derrubado mas começou movimentando bem a guarda. Erikson porém tinha sido prevenido contra os ataques de chaves de braço e botes no pé por seu amigo Rico Chiaparelli, outro wrestler que havia passado um bom tempo treinando Jiu-Jitsu na academia de Renzo Gracie em Nova York. Rico foi proibido de treinar na academia do Gracie em Nova York depois dessa luta, para se ter uma ideia do clima de guerra entre os estilos. Mais tarde, Chiaparelli fundaria a organização de lutadores RAW, que lançaria Randy Couture e Dan Henderson. Contra o gigante Tom Erickson, Murilo resistiu bravamente com sua guarda por 40 minutos. A luta foi interrompida e o empate declarado. Murilo saiu com o rosto avariado e aclamado como herói: “Tenho consciência de que enfrentei um dos melhores adversários que há por aí, com 40kg a mais e 10cm pelo menos mais alto que eu, sem contar as qualidades técnicas. Bati e apanhei. O dia em que eu lutar com alguém com dois terços do meu peso e não ganhar, me sentirei derrotado”, declarou à época Bustamante.

No mesmo evento, Renzo Gracie nocauteou Oleg Taktarov com um chute de baixo para cima na luta principal do evento, e consagrou uma boa maneira de atacar da guarda, a “pedalada”. Zé Mario e Carlão Barreto venceram seus oponentes, russos: Andrey Dudko e Alexander Rafalski respectivamente.

Fabio Gurgel x Mark Kerr em SP

O ano de 1997 abriu com uma guerra marcante para os fãs de Jiu-Jitsu no Brasil, e que lançaria um astro americano que iria dominar o mundo do vale-tudo e sacudir o cenário, daqui até Tóquio. Em São Paulo, escalado para o torneio World Vale-Tudo Championship, Fabio Gurgel precisaria vencer três lutas até o título. Venceu bem os dois primeiros, até a final, quando se viu em roubada semelhante a de Murilo Bustamante. Mark Kerr, de 115kg e talentoso na arte de amassar por cima, seria apontado em breve como o número um do vale-tudo mundial.

O combate, arbitrado pelo produtor, organizador e juiz Sergio Batarelli, foi histórico, e o país inteiro pôde assistir graças à transmissão da TV Band. Foi uma luta dramática em que Kerr bombardeou o professor da Alliance, machucando muito seu olho esquerdo com socos e cabeçadas. O americano foi declarado vencedor ao fim de 30 minutos, pois o médico do evento impossibilitou Gurgel de disputar a prorrogação. “Já provamos nossa técnica e valentia, devemos parar de dar esse tipo de vantagem, 30kg é muita diferença”, declarou Fabio após o combate. Era assim o fim do século, com alguns gigantes entrando em cena e assustando. Quantos mais apareceriam? E o principal, quem venceria essas máquinas? O cenário estava armado para a chegada de algum jovem fenômeno do Jiu-Jitsu, que não tardaria a chegar.

Vitor Belfort contra o boicote das TVs ao MMA

Em 1997, o vale-tudo ainda era um esporte marginalizado e ainda estava longe de ganhar afeto por parte dos anunciantes e dos diretores de TV. Nos EUA, o primeiro passo foi dado com uma simples mudança de nomenclatura: o antigo esporte sem regras nascido em berço brasileiro passaria a ser chamado de um misto de artes marciais: “mixed martial arts” em inglês, ou MMA. Muita gente torceu o nariz de início, mas o nome pegou na mídia americana, e os brasileiros imitaram.

Mas não foi fácil sua consolidação. Em 1996, o Extreme Fighting organizado no Canadá terminou com quase todos os lutadores presos. “Eu consegui escapar”, lembrou Ralph Gracie, em entrevista a GRACIEMAG. “Me escondi no quarto de um amigo e fiquei quieto lá por três dias. O Nino Schembri estava comigo e queria fugir do quinto andar amarrando os lençóis”.

Em fevereiro de 1997, uma novidade surgiria e abriria os olhos de muitos brasileiros para o esporte. No UFC 12, as equipes de reportagem que partiram para o Alabama para ver Wallid Ismail acabaram registrando a estreia no Octagon de outro faixa-preta do mestre e renomado ex-ídolo do vale-tudo Carlson Gracie: Vitor Belfort, um jovem carioca bem nascido que jogava bem futebol, tênis e vôlei, e que escolheu ser lutador como profissão.

Aos 19 anos, o peso pesado carioca chegou nocauteando Tra Telligman em 1min17s com seus jabs e diretos; na final do torneio, despachou o massa bruta Scott Ferrozzo em 43 segundos. Era a prova de que lutador de Jiu-Jitsu sabia socar. “Eu aplico nos adversários um knockdown para eles caírem abalados e uso o Jiu-Jitsu por cima para definir a luta”, Vitor definiu seu estilo à época. No UFC 13, dois meses depois, Belfort detonaria Tank Abbott em 52 segundos e viraria estrela para sempre.

Se dentro das grades o panorama era promissor para os brasileiros, fora o negócio andava esquisito. Em maio, o Extreme Fighting foi extinto. O motivo que levou à lona o maior concorrente do UFC à época foi o boicote maciço das operadoras a cabo a eventos de vale-tudo, com direito inclusive a pressão de políticos americanos moralistas. Mas a TV que tentaria sufocar o esporte seria a mesma que anos depois, em 2005, revolucionaria o evento, com o reality show “The Ultimate Fighter”, como contaremos em breve.

O fim do reinado dos gigantes

O fim do século viu o apogeu dos gigantes, como Mark Kerr, Mark Coleman, Tom Erikson e Kevin Randleman (1971–2016), pesos pesados e altamente musculosos que uniam o bom jogo de quedas com a força bruta. Mas a prova de que ninguém era invencível não tardaria.

Em março de 1997, Carlão Barreto foi o primeiro finalizador a destronar um grande wrestler: no Universal Vale-Tudo, no Rio de Janeiro, Barreto esteve perfeito, e finalizou suas três lutas da noite, com destaque para o triângulo em Randleman. Num esporte em que cada modalidade queria dar as cartas, Carlão mostrou que o segredo era impor seu jogo primeiro. Já em julho do mesmo ano, o lutador de kickboxing Maurice “Mo” Smith destronou o compatriota Coleman, com uma vitória por decisão no UFC 14. Smith era experiente, mas seu cartel irregular não mentia: tratava-se de magnífica zebra. Sua tática foi levantar a cada queda de Coleman, e vencer o “Martelo” no gás. Foi a primeira derrota do wrestler, que vinha de seis triunfos na carreira, as seis no UFC. Coleman só voltaria a vencer em grande estilo anos depois, ao migrar para o Pride japonês. A vitória do kickboxer que sabia sobreviver no chão, por outro lado, indicaria novamente o caminho para uma série de craques que ainda lapidavam as caneladas rumo ao estrelato, casos de Pedro Rizzo, o melhor pupilo de Marco Ruas, e Wanderlei Silva e sua turma da Chute Boxe, entre outros.

Se nos EUA o esporte andava pagando pouco devido aos problemas com as TVs, no Rio de Janeiro a modalidade tampouco embalava. Evento promissor, bancado pelos xeques de Abu Dhabi, o Pentagon Combat foi organizado no Tijuca Tênis Clube em setembro de 1997, mas a luta entre Renzo e Eugênio Tadeu não terminou por conta de uma zorra generalizada na arquibancada. Como resultado os políticos locais proibiram eventos de vale-tudo no Rio. Todos os caminhos então levavam para um só lugar: o aeroporto, com passagem (com escalas, por favor) para Tóquio.

Rickson Gracie e o Pride 1

Rickson Gracie x Takada no Pride 1 Foto Arquivos NOCAUTE

Rickson Gracie x Takada no Pride 1. Foto: Luca Atalla/Arquivos NOCAUTE.

 

Sob os aplausos e o respeito reverencial de 40 mil japoneses, Rickson voltou ao Japão para finalizar o ídolo local Nobuhiko Takada com sua chave de braço, naquele histórico evento de 12 de outubro de 1997, quase quatro anos do primeiro UFC. O Pride 1, com dirigentes endinheirados por trás, bancou um card estelar, que seria tendência até o fim do show japonês: além de Rickson e Takada, a noite trouxe Kimo Leopoldo, Dan Severn, Renzo Gracie, Gary Goodridge e Oleg Taktarov. No segundo evento, mais ídolos de bolsas forradas: Mark Kerr fez a luta principal, e o card ainda tinha Marco Ruas, Renzo e Royler Gracie.

O mercado aberto pelo Pride atraiu uma série de nipônicos resistentes em pé e bons na luta agarrada, como Akira Shoji, Tsuyoshi Kosaka, Rumina Sato, Sanae Kikuta e Caol Uno, e o melhor de todos eles estreou no Pride 2: Kazushi Sakuraba, que venceu sua primeira luta com uma chave de braço. Sakuraba faria fama, e não apenas pelas máscaras bem talhadas com que entrava no ringue: o japonês triunfou sobre uma série de brasileiros, como Marcus Conan, Ebenézer Braga, Vitor Belfort, Ryan e Royce Gracie. Entre suas lutas mais famosas, Saku em 1999 encaixou uma kimura no valente magrinho Royler Gracie, quando o faixa-preta carioca envergou-se mas não bateu. O juiz, assustado com o braço, interrompeu a luta. Em 2000, Saku repetiria o golpe, deslocando o braço de Renzo. Em 2001, quando tudo parecia fazer crer que a luta entre Rickson e Sakuraba seria realizada (e levantaria milhões e milhões de dólares), a tragédia e o imponderável entraram em cena: Rickson perdeu prematuramente o jovem e talentoso primogênito, Rockson, e deixou os ringues de lado para se dedicar à família. O Gracie jamais voltaria a lutar, com 11 vitórias em 11 lutas sendo 11 finalizações (seis por mata-leão).

Wanderlei Silva, Fedor e Minotauro reinam no Japão

A renovação dos talentos do MMA nacional não pararia de surpreender, e o xerifão Sakuraba viu chegar aos seus domínios um explosivo nocauteador de Curitiba: Wanderlei Silva não chegou ao Pride invicto nem muito falado. Seu talento era andar sempre para a frente e deixar a plateia de olhos arregalados. O prodígio da Chute Boxe, que já revelara ao mundo José Pelé e outros bons lutadores de vale-tudo, conquistou seu nome com duelos épicos, como na vitória por decisão sobre Dan Henderson, no Pride 12, em 2000. Uma guerra de 20 minutos entre dois monstros do esporte que, até o fim de suas carreiras, se recusariam a perder enquanto rodassem os ponteiros do relógio.

Quando teve sua chance, Wand derrubou Sakuraba e entrou para o panteão do MMA. O Pride era o palco principal do esporte, e onde os melhores estavam – e outros tantos apareciam para destroná-los. No peso pesado, Mark Kerr perdia assustadoramente a pujança, a saúde e o cartel imaculado. Coleman vencera o Pride GP 2000 dos grandalhões, mas passaria o reinado para outro mitológico lutador: Rodrigo Minotauro e seu arsenal de triângulos, estrangulamentos rodados e armlocks – golpe com que pegou o gigante de 140kg Bob Sapp, numa das lutas mais comentadas de todos os tempos.

Rodrigo, assim como Wand, reinou absoluto e invicto por mais de três anos. Até que os russos voltaram das estepes geladas para assombrar nossos faixas-pretas.

Foi em 2000 que o gordinho Fedor Emelianenko, lutador de sambo que treinava correndo pelas florestas russas, apareceu no MMA japonês, no extinto evento Rings. Numa divisão de peso que tinha Igor Vovchanchyn, o gigante Semmy Schilt, Randleman e promessas como Mirko Cro Cop, Fedor não era nada assustador. Mas provou a eficiência de seus socos altamente explosivos e potentes a um jogo de queda e finalização. Quem ele não nocauteava, finalizava. Ou castigava por cima da guarda, como fez em 2003 com o brasileiro Minotauro. Chamado de “Imperador” com justiça, Fedor imperou invicto por dez anos, sendo até hoje apontado como um dos melhores de todos os tempos.

O MMA de volta à TV aberta

Em 2001, enquanto o Pride seguia contratando e alavancando diversos talentos do MMA mundial e brasileiro, como seriam o caso de Ricardo Arona, Murilo Bustamante, Zé Mario Sperry, Paulão Filho, Minotouro, Murilo Ninja e Mauricio Shogun, o UFC nos EUA mudava de mãos – e de destino. Originário de família irlandesa, um certo ex-manager de Tito Ortiz e Chuck Liddell soube que a organização seria posta à venda e foi às compras, ao contactar seu colega de infância Lorenzo Fertitta, dono de cassinos. O americano Dana White tornou-se o novo presidente do Ultimate, e arregaçou as mangas para reerguer o negócio.

White tratou primeiro de manter e valorizar seus principais astros, como Liddell, Ortiz, Pedro Rizzo, Randy Couture, Matt Hughes e outros. Trouxe de volta Vitor Belfort, e passou a provocar via mídia um duelo UFC x Pride, que tornou-se realidade com o Pride GP de 2003, em que Liddell entrou representando o Ultimate. Acabou derrotado por Quinton Jackson, e este por Wanderlei Silva na final.

“É incrível pensar como chegamos perto de não estar aqui hoje. Se não fosse o que esses caras fizeram no ‘TUF 1’, eu não sei se o UFC existiria. Nunca vou esquecer desses caras, jamais” Dana White

A tática mais audaciosa, contudo, foi popularizar o UFC por meio da televisão aberta americana, o que nunca havia sido feito por lá. (No Brasil, até a Globo já transmitira o desafio Jiu-Jitsu x luta livre, em 1991, num período em que as modalidades eram tribos em pé de guerra; o SBT por sua vez transmitiu Vitor Belfort x Chuck Liddell no UFC 37.5, direto de Las Vegas, em 2002, aproveitando o sucesso do reality show “Casa dos artistas”.)

Em parceria com um canal de poucos recursos, a Spike TV, os cartolas do UFC produziram “The Ultimate Fighter”, um reality com atletas desconhecidos que queriam ser lutadores famosos. Como capitães dos times, os renomados Chuck Liddell e Randy Couture treinariam jovens endiabrados como Diego Sanchez (um dos campeões da primeira temporada) e se enfrentariam depois. O objetivo era criar o interesse da audiência para o duelo dos dois medalhões dos meio-pesados – tanto Randy como Chuck já haviam derrotado Vitor Belfort e eram astros consagrados. Mas, como a sorte anda lado a lado com o sucesso, uma dupla de coadjuvantes roubaria a cena.

Na disputa entre quase famosos, os meio-pesados Forrest Griffin e Stephan Bonnar (ex-Jungle Fight 1) levaram à TV aberta uma batalha franca, sangrenta e cheia de reviravoltas, que sacudiu a imprensa e os fóruns de internet na América do Norte. A vitória de Griffin teve efeito similar ao que, em 1991, o duelo Jiu-Jitsu x luta livre tinha feito com os brasileiros via Globo. Nas ondas da TV, e no posterior boca a boca, o MMA saiu dos guetos e virou popular.

“É incrível pensar como chegamos perto de não estar aqui hoje. Se não fosse o que esses caras fizeram no Octagon, eu não sei se o UFC existiria. Nunca vou esquecer desses caras, jamais”, declararia Dana White.

A volta do desmotivado Anderson Silva

Com o renascimento do UFC, a oportunidade para os lutadores brasileiros se ampliou. O Pride, que vinha mal das pernas por conta da rescisão com a TV japonesa e de ligações mal explicadas com a máfia, desandou de vez e acabou comprado pelo Ultimate, do mesmo modo que os Fertitta fariam com diversas organizações menores.

Lutadores sem grana no bolso ou sem motivação (ou sem nenhum dos dois) começaram a refazer suas vidas. Foi o caso do paulista radicado em Curitiba Anderson Silva, astro do muay thai que chutava com as pernas trocadas e também sabia Jiu-Jitsu.

Afastado do cenário após ser finalizado no Japão e brigado com a Chute Boxe, Anderson não recebia propostas. Pensava em pendurar as luvinhas e virar professor. Foi acolhido na equipe de Rodrigo e Rogério Nogueira, topou lutar um evento pequeno na Bahia organizado pelos gêmeos e, em 2006, decolou: surrou quem apareceu pela frente, entre jovens e veteranos, e ficou sete anos sem saber o que é perder no UFC, numa trajetória tão fulminante e surpreendente como a própria história do MMA.

Lyoto Machida luta neste sábado, 18 de abril. Foto: UFC

Lyoto Machida (foto), José Aldo, BJ Penn, Conor McGregor, Georges St-Pierre e outros craques foram algumas das lendas que ganharam notoriedade no octagon a partir do novo boom do UFC, em 2005. Foto: UFC.

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