Qual é o tempo correto de um aluno até a faixa-preta? Professores debatem

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[ Texto: Alexandre Fernandes Dantas, o Café – Professor de Jiu-Jitsu, veterano do UFC e líder da academia Black Team Jiu-Jitsu, no Leblon, RJ. É doutor em Ciência Política e Relações Internacionais e mestre em Direito.]

O Jiu-Jitsu brasileiro (BJJ) é organizado pela hierarquia, que se apresenta através das cores e graus da faixa que amarra o kimono.

Quanto mais escura for sua faixa, mais “privilégios” você terá na academia. Porém, esse status extrapola os limites do tatame. A moral, ou honra da faixa, acompanha o lutador na sua vida social, no seu trabalho etc. É uma marca indelével que o praticante de Jiu-Jitsu carrega consigo, mesmo que seja inconsciente.

E nessa longa e árdua escadaria, o último degrau é a faixa-preta – daí em diante o critério do merecimento desaparece e o critério da antiguidade é o único a valer.

Um professor de Jiu-Jitsu possui uma grande responsabilidade, já que ele, sozinho, avalia e avaliza o momento da graduação. Mas que critérios o mestre deve utilizar para averiguar quando o aluno deve passar de faixa?

Especialista em Jiu-Jitsu e Direito, Alexandre "Café" Dantas cita até Aristóteles para debater o tempo de treino até a faixa-preta. Foto: Gustavo Aragão/GRACIEMAG (2002)

Especialista em Jiu-Jitsu e Direito, Alexandre “Café” Dantas cita até Aristóteles para debater o tempo de treino até a faixa-preta. Foto: Gustavo Aragão/GRACIEMAG (2002)

A regra temporal utilizada sozinha pode, ao que parece, gerar iniquidade, pois estabelecer um tempo mínimo ou máximo para a graduação deixa de lado as aptidões e o esforço de cada um. Como dizia Aristóteles, em seu livro “Ética a Nicômaco”: “O justo é, por conseguinte, uma espécie de termo proporcional” ao mérito individual. Para o filósofo grego, “é origem de disputas e queixas quando iguais têm e recebem partes desiguais, ou quando desiguais recebem partes iguais”. O importante para o aluno, portanto, é não faltar.

Há, em muitas academias, a ocorrência de alunos conhecidos como “eternos faixas-azuis”, aqueles que vão e voltam, perdendo boa parte da motivação no caminho. São praticantes que muitas vezes não percebem que estão apenas adiando seu progresso. Ficam longe um bom tempo, e quando retornam, têm enorme dificuldade – perdem no gás, no timing das posições e até na questão da confiança no próprio jogo. Nesse caso, o professor precisa que o aluno atente para o quesito assiduidade, que é muito valioso para quem quer passar de faixa.

Outro aspecto importante no assunto refere-se aos campeonatos de Jiu-Jitsu. De fato, o aluno competidor evolui mais rapidamente que o aluno que pratica apenas na academia. Isso ocorre pelos seguintes motivos: a preparação e busca por melhores resultados faz com que o atleta treine mais forte; a adrenalina da competição e o ato de se testar contra adversários de outras academias leva, naturalmente, à melhora técnica e à pujança. Se o caro leitor tiver a oportunidade, não deixe de experimentar a sensação de se testar num campeonato. Comece com um pequeno, na sua cidade.

Alexandre Café em ação. Foto: Arquivos GRACIEMAG

A faixa-preta, no fim, vem por puro merecimento do praticante. Existe, claro, uma grande variação de avaliação entre as diversas escolas de Jiu-Jitsu ao redor do mundo, mas os professores têm critérios semelhantes como base para graduar um pupilo, como por exemplo: lealdade; assiduidade; conhecimentos técnicos específicos para a faixa; domínio da defesa pessoal; modo de se portar dentro da academia; higiene pessoal; honrar o nome da academia e do Jiu-Jitsu; ser um bom cidadão, etc. Esses critérios adotados pelo professor são de suma importância, afinal, aquele que recebe uma graduação, seja ela qual for, carrega de maneira indireta o nome de seu mestre.

Sendo assim, por se tratar de uma graduação máxima, a faixa-preta deve ser uma condecoração advinda não somente do preenchimento de requisitos objetivos, como tempo ou medalhas, mas também da conquista de alguns requisitos subjetivos, que variam de acordo com a academia. Um faixa-preta, acima de tudo, deve ser um exemplo a ser seguido, daí a grande responsabilidade daquele que promove uma graduação, seja ela qual for – afinal, mesmo o faixa-branca está, a cada grau alcançado, cada vez mais próximo de se tornar faixa-preta.

É preciso lembrar, porém, que alguns praticantes vêm protagonizando episódios lamentáveis para a nossa amada arte marcial, graduando a si próprios ou colocando graus na faixa-preta antes do tempo necessário. Tal atitude pode ser classificada como absurda, vergonhosa e imoral, que nos remete ao clássico “Crítica da razão prática”, de Kant, onde o filósofo nos lembra que “a lei moral, acessível a todos os seres racionais, possui uma dignidade em si e nos dá simplesmente um mandamento”. Quem não consegue aguardar a hora da faixa, portanto, não está roubando apenas tempo, está roubando sua dignidade.

Portanto, a mensagem ao aluno novato ou ao aluno mais antigo é idêntica: saiba valorizar sua caminhada. Não se aflija, não peça faixa e, a mais importante, jamais use uma faixa ou grau sem merecer de fato e de direito. Tudo tem seu tempo, evite ser aquele praticante angustiado, que já começa a treinar querendo saber quando vai “se formar”. Divirta-se aprendendo.

E fica o conselho: busque saber a procedência da faixa que seu professor ostenta na cintura e pesquise no site da IBJJF se ele é matriculado. Seu aprendizado está diretamente ligado a quem é seu mestre, qual é sua índole e, principalmente, qual é o caráter dele. Se ele caminhou corretamente e lutou pela faixa-preta dele do jeito que deve ser, há uma grande probabilidade de que seus alunos recebam as devidas graduações nos momentos apropriados. Agora, se ele é um fanfarrão, aí, meu amigo, você acabará visto como uma classe inferior de faixa-preta.

Comece no caminho certo. Pois, no dia glorioso em que você for enfim graduado e alguém perguntar, “Quem lhe deu a faixa-preta?”, você poderá estufar o peito e responder com orgulho.

>>>> Com quantos anos de treino o aluno deve ganhar a faixa-preta? GRACIEMAG perguntou e mestres e professores opinaram:

Carlos Gracie Jr. Foto:Luca Atalla

Mestre Carlos Gracie Jr:
“No fim isso sempre vai depender da assiduidade do aluno, mas a IBJJF tem um tempo mínimo para o praticante poder tornar-se faixa-preta. Se for um camarada que treina sempre, com consistência, sem faltar aulas, ele pode pegar a faixa-preta depois de cinco anos e meio, seis. Pelas regras da IBJJF, o tempo mínimo para ficar na faixa-azul é de dois anos, na roxa mais um ano e meio, e mais um ano na faixa-marrom. Com mais um ano e pouco de faixa-branca em média, esse tempo somado seria de cinco anos e meio, seis anos. Já se ele começar a treinar Jiu-Jitsu quando criança, ele só pode conquistar a faixa-preta depois dos 19 anos e meio de idade.”

Mestre Carlos Rosado:
“Acredito que cada aluno tem seu tempo. Uns vão aprender mais rápido, outros podem demorar um pouco mais a pegar o jeito, mas todos vão chegar lá, se não desistirem. O maior trunfo do Jiu-Jitsu é que não requer talento, como o futebol. Basta treinar para evoluir. Costumo dizer que não é o aluno que pede a faixa, e sim a faixa que pede o aluno. E a faixa só requisita o aluno quando ele está dando conta plenamente da graduação. Já uma faixa dada prematuramente acaba se tornando um fardo: todo praticante de Jiu-Jitsu que ganha uma faixa da qual não dá conta está fadado a nunca mais aparecer na academia, e parar de treinar de vez.”

Fernando Tererê em foto de Carlos Arthur Jr.

Professor Fernando Tererê:
“No meu ponto de vista, a média geral para pegar a faixa-preta é de uns nove, dez anos de treino. Acho que com uns dez anos o praticante aprendeu bem e pode ser um bom faixa-preta. Porém, alguns competidores de ponta, aqueles que vencem campeonatos ano a ano, podem conquistar a faixa em seis, sete anos.”

Mestre Júlio Cesar Pereira:
“O tempo de um praticante até a faixa-preta é uma trajetória individual, e tem a ver com os próprios objetivos pessoais de cada um. Tem praticante que sonha em ser campeão mundial e treina o triplo que os colegas, há outros que só buscam qualidade de vida e aparecem semanalmente, e até quem sonha em aprender tudo detalhadamente para um dia ser professor, ter sua academia. A meu ver, não dá para dizer ao aluno que daqui a cinco ou seis anos ele vai se tornar faixa-preta.”

Professor Muzio De Angelis:
“Na minha academia no Rio, o tempo médio até a faixa-preta costuma ser de cerca de sete anos, se o aluno for assíduo, obviamente. Um ano na branca, dois na azul, dois anos na roxa e dois anos na marrom, em média. Acho que sete anos é um bom prazo mínimo. Inclusive gosto de numerologia e vejo o número 7 cercado de simbolismos. São sete os dias da semana, sete as notas musicais, sete as cores do arco-íris e Deus teria feito o mundo em sete dias com o descanso, segundo a Bíblia, além de diversas outras ocorrências. Se de acordo com os sábios o 7 é o número da perfeição, sete anos até a faixa-preta me parece um prazo adequado.”

Rilion Gracie: “É preciso paciência, quem burla o tempo está se enganando”. Foto: Ray Santana/GRACIEMAG.

Mestre Rilion Gracie:
“Tudo na vida é questão de empenho, você não pode ganhar um diploma sem ir à faculdade. A faixa-preta depende das horas de treino e da intensidade que aquele aluno será capaz de dedicar ao dojô. Os chamados ‘ratos de academia’ certamente vão chegar à graduação mais rapidamente. Ou seja, não é uma questão de tempo desde o dia em que você se matricula, mas uma questão de tempo dedicado. Em dezembro passado, graduei meu filho Roggan como faixa-preta. Foi uma conquista puramente dele. Se dependesse só do rendimento nos treinos, eu já poderia ter dado a faixa há dois anos, mas acho que a faixa-preta não depende apenas da vontade do professor, há outros aspectos. No caso dele, os próprios colegas de treino e demais professores da academia começaram a cobrar a faixa pelo que ele demonstrava diariamente. Eu apenas a amarrei na cintura dele, juntamente com o Renzo, mas estava todo mundo aferindo o nível dele e pleiteando a graduação. A pior coisa é o aluno burlar o tempo, por falta de paciência, e pegar faixa antes da hora. Não adianta eu aparentar ser uma coisa que na verdade eu não sou – essas pessoas estão enganando a si mesmas.”

*** Este artigo foi publicado originalmente nas páginas de GRACIEMAG #239. Assine já a revista para não perder os melhores artigos sobre sua arte marcial favorita, aqui.

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