O dia em que Margarida finalizou Fabio Gurgel no Jiu-Jitsu

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Marga, em foto de Gustavo Aragão.

Marga, em foto de Gustavo Aragão.

Era um tempo em que as torres gêmeas ainda existiam, em que o mundo parecia mais simples.

Foi no início de abril. O Pan de Jiu-Jitsu de 2001, o terceiro a ser realizado na Flórida, nos Estados Unidos, sediou a primeira grande apresentação de Alexandre Ribeiro como faixa-preta, quando o hoje consagrado Xande ainda era conhecido pelos torcedores como irmão mais novo de Saulo.

Mas, apesar do ouro no absoluto, Xande acabou como coadjuvante, mesmo depois de vencer feras do calibre de Cássio Werneck, Roger do Guarujá e Fabio Leopoldo. O Pan da IBJJF também poderia ter aclamado a fera Bruno Severiano, que venceu Fernando “Tererê” na final do peso médio. O campeonato, contudo, ficou famoso por outro resultado. Ficou para sempre na história do esporte como o dia em que Fernando Margarida finalizou Fabio Gurgel.

Antes mesmo de embarcar para os Estados Unidos, o astro meio-pesado Fernando Pontes já anunciava a amigos próximos qual era seu maior objetivo para aquele que seria seu quarto Pan, na primeira semana de abril de 2001.

“Vou lutar na categoria de cima, o peso pesado”, conta reportagem de JP Santos, nas páginas de GRACIEMAG #52, com Ricardo Arona derrotando Ricardo Cachorrão na capa, no ADCC daquele ano.

O motivo da mudança de Marga era um só: a presença do temido Fabio Gurgel, considerado à época um dos maiores passadores de guarda do Jiu-Jitsu esportivo. A reportagem contava:

“Gurgel teve papel fundamental na história de Margarida. Foi ele que, muitos anos atrás, meio sem querer, deu durante um treino o apelido pelo qual Fernando hoje é conhecido. Na época, recém-chegado em São Paulo, Fabio dava aulas na academia Fórmula, e mal podia imaginar que o menino de aparelho colorido nos dentes e que se destacava nos treinos um dia viria a ser seu adversário nos tatames”.

“Fingi que não ligava para ver se o aparelho não colava, mas acabou pegando mesmo”, relembrou Marga. “Hoje já me acostumei e até gosto”.

Muito tempo se passara, e o garoto paulista havia tomado seu próprio rumo. No Pan de 2000, já havia exibido um Jiu-Jitsu de gala, voltando para casa como campeão meio-pesado e absoluto, com cinco lutas e cinco finalizações. Gurgel, por sua vez, mantinha-se no topo desde os idos de 1995, e era em 2001 o então campeão mundial dos pesados. O confronto entre os dois em Kissimmee prometia, e não havia torcedor por lá que não antecipasse o duelo.

Até a final do peso pesado, Fernando precisou passar por Adriano Maciel e Fabio Leopoldo, e o fez com dois belos estrangulamentos pelas costas. Já Fabio, já conhecido pelo apelido de “General”, impôs seu jogo por cima para vencer Roberto Godoi por pontos. Era a hora do duelo mais aguardado do evento, como notava o repórter JP: “Muito mais do que um confronto de gerações, a luta representava um duelo de estilos. A estratégia e o jogo cadenciado de Gurgel contra a movimentação intensa e os botes de Margarida”.

Assim que o árbitro, Roberto “Gordo” Correa – que vencera Xande no peso meio-pesado –, sinalizou o começo da batalha, os dois atletas se encontraram no centro do ringue para trocar pegadas. Não demorou e Marga puxou para a guarda aberta, dando início a sua movimentação característica.

Com a base impecável de sempre, Fabio procurava se ajeitar e encontrar o ponto certo para tentar transpor a guarda do ex-aluno. Esbarrava porém nas pernas fortes de Fernando, que o mantinha afastado. Ora punha o pé no pescoço e empurrava; ora fazia guarda com o pé no bíceps.

Foi quando, com uma catada de perna, Marga conseguiu inverter e por Gurgel para baixo. Os dois caíram fora da área de lutas, e o combate foi reiniciado em pé.

Marga então puxou novamente, puxou o ritmo como de hábito e fugiu o quadril para esquerda: a manobra o permitiu encaixar uma chave omoplata no braço direito de Gurgel. O General se desvencilhou rapidamente e voltou para a guarda do paulista.

O bote, contudo, foi suficiente para animar Fernando. Segundos após a omoplata, Marga encaixou um estrangulamento. Gurgel ainda insistiu na passagem, acreditando que a pressão em seu pescoço fosse diminuir ou cessar. Ele resistiu ao máximo, até que, dentro da guarda, bateu sinalizando a desistência. O público explodiu, em delírio.

O feito de Marga não fora banal. Era a primeira vez que o lendário faixa-preta da Alliance batucava numa competição. Gurgel pôs as mãos no rosto, ainda de joelhos no tatame, sem ainda acreditar. Em contraste à desolação do ex-professor, Margarida correu para comemorar junto aos torcedores na arquibancada, quando sair do dojo ainda era permitido.

Em seguida, Fernando dirigiu-se ao oponente e o reverenciou para todo mundo ver, antes de dar um grande abraço nele. “O Fabio é um dos lutadores em quem eu sempre me espelhei”, disse Marga. “Lutei na categoria dele porque venho tentando ultrapassar meus próprios limites. Quero mostrar na prática a teoria defendida pela família Gracie, de que o mais leve pode ganhar do mais forte e mais pesado. Essa tese Gracie segue essencialmente verdadeira”.

Apesar de triste com o resultado, Gurgel procurou mostrar bom humor na derrota: “É, a casa caiu!”

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