
Marcelo Garcia contra o gigante Ricco Rodriguez no ADCC 2005, há 20 anos, na disputa de um absoluto histórico em Long Beach. Foto de Kid Peligro.
Penta mundial de Jiu-Jitsu na faixa-preta e tetracampeão do ADCC, Marcelo Garcia é um lutador associado àquelas cinco letras, por vezes um pouco gastas: lenda.
Peso leve que despontou para a glória como azarão anônimo, num galáctico ADCC 2003 que levou ao Ibirapuera astros de alto quilate como Mark Kerr, Ricardo Arona, Royler, Renzo e Ryan, Fernando Margarida, Saulo Ribeiro e tantas feras, o mineirinho da Alliance ganhou o coração da comunidade do Jiu-Jitsu aos 20 anos naquele evento. Vinte e dois anos depois, o carinho e o respeito de todos seguem intactos.
No Havaí, onde mora e treina com alunos para seu aguardado retorno no One Championship no dia 24 de janeiro, Marcelinho parece rápido e afiado – ao menos nas respostas ao entrevistador, em conversa por vídeo. Rebate e analisa tudo sem fintas ou firulas. Fala das perdas, do câncer no esôfago, das expectativas e da idade que avança. Tudo sem perder o sorriso, marca registrada de um campeão sempre de bem com a vida.
“A sensação é ótima. Voltei a acordar e ir à academia com aquele pensamento martelando a cabeça: ih, tem alguém lá fora querendo ganhar de mim! Estava sentindo muita falta disso”, comentou o faixa-preta formado por Fabio Gurgel, dias antes de enfrentar o embalado magrinho japonês Masakazu “Ashikan-Judan” Imanari, que apesar de em plena forma é seis anos mais velho e mais leve que o brasileiro.
O duelo, nas regras do Jiu-Jitsu sem kimono, será no evento One 170: Tawanchai vs. Superbon 2, em Bangkok, a cinematográfica capital da Tailândia.
GRACIEMAG: Sua velocidade era um grande trunfo. Como está a agilidade e explosão após os quarenta?
MARCELO GARCIA: Sim, eu hoje me sinto bem mais lento. Sei que os meus reflexos não são os mesmos de 20 anos atrás. Mas aceito isso sem nenhum drama. Por outro lado, percebo nos treinos com os mais jovens que ainda sou capaz de resolver o problema que os oponentes apresentam. Estou treinando para a luta com o Imanari há dois meses, com meus alunos em Kailua. São em sua maioria faixas-azuis de talento e com muita fome de títulos, e era assim que eu sempre treinava quando abri a academia em Nova York, então isso não será um problema.
Seu retorno causou certa comoção na comunidade, nas redes sociais. O clima festivo de algum modo poderia atrapalhar sua concentração?
Eu só posso agradecer pelo apoio e pelo carinho que os amigos e amigas do Jiu-Jitsu me enviam, né? Só sinto o lado bom desse incentivo. Minha cabeça está bem concentrada no problema que tenho de resolver lá no ringue. A sensação é ótima. Voltei a acordar para ir à academia com aquele pensamento martelando a cabeça: é, há novamente alguém lá fora querendo ganhar de mim! Senti falta disso. Estou tão empolgado quanto aquele garoto que estava aquecendo para enfrentar o Renzo Gracie no Ibirapuera em 2003, numa das lutas que mudaram minha vida. Eu estou me sentindo tão bem física e mentalmente que queria que a luta fosse hoje, para não dar chance de mais nada dar errado.
Você ficou de janeiro de 2023 a janeiro de 2024 sem vestir o kimono por conta do câncer no esôfago. Como seu corpo se portou nessa batalha contra a doença?
Eu cheguei a pesar 72kg, sem apetite nenhum. Aí vinha a ansiedade, eu comia muito e não me exercitava, e o peso ia até 92kg. Com a mudança de vez para o Havaí com minha família e o retorno aos treinos no ano passado, estou me sentindo de novo como nos bons tempos, com menos de 80kg. Aqui a vida é ótima, sempre quis morar no paraíso. Ainda não surfo muito, mas tento muito, né? Quem sabe um dia? Agora quero fazer essa luta e, se tudo der certo, mais uma ainda em 2025. Meu contrato prevê um total de seis lutas, quero cumprir e depois renovar. O que sei é que esta não é a saideira, sobre isso estou certo.
Imagine que o One Championship tenha uma ideia muito louca e organize um torneio dos sonhos com quatro fenômenos da luta agarrada: Roger Gracie, Ricardo Arona, Gordon Ryan e você. Com quem você acha que faria a final?
(Risos) Creio que a final que o povo ia gostar de ver era Roger Gracie contra mim. Preciso puxar a sardinha para o meu lado, né? Seria só lutaço, mas eu gostaria de chegar lá e disputar a final com o Roger.