Como não enlouquecer na pandemia, por Raphael Abi-Rihan

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Abi Rihan lendo GRACIEMAG revista de Jiu Foto Araga

Abi-Rihan lendo a revista de Jiu-Jitsu GRACIEMAG: os craques do esporte recomendam. Foto: Gustavo Aragão

Texto: Raphael Abi-Rihan*

* Artigo publicado originalmente nas páginas da GRACIEMAG. Para mais conteúdos exclusivos com o melhor do Jiu-Jitsu mundial, assine a revista mais tradicional do esporte em formato digital *

“O Jiu-Jitsu”, como já ensinou Rickson Gracie, “é a arte de estar pronto para o imprevisível”. Atualmente, por mais experiente e preparado para o imprevisível que a gente seja, enfim nossa comunidade conheceu um adversário à altura do nosso esporte: um inimigo invisível conhecido por coronavírus. Estamos, sem dúvida nenhuma, diante do maior desafio das nossas vidas – o que não significa, certamente, que sairemos derrotados, pelo contrário.

É da natureza do artista marcial enfrentar qualquer adversidade com equilíbrio, serenidade e paciência. Todo praticante do Jiu-Jitsu aprende, treino a treino, dia a dia, a se aperfeiçoar na arte de reagir sob pressão, de não desistir facilmente e de lutar pela vida. Desta vez, contudo, há uma grande diferença para todas as batalhas que já vimos, vivemos e vencemos: quase sempre, conhecemos o adversário, suas possibilidades e limites.

Há uma outra particularidade que faz dessa guerra um desafio inédito: normalmente, quando vamos à luta, contamos com um mestre, mentor ou amigo mais experiente para nos orientar quanto ao caminho certo a tomar, sobretudo quando estamos em momentos de fragilidade.

Há, entretanto, lições do Jiu-Jitsu que servem para todas as horas. Os anos e décadas de treino nos concedem acesso a uma estratégia padrão que nos difere um pouco dos “meros mortais”: diante de um adversário poderoso e desconhecido, seguramos na guarda defensiva, estudamos o seu “modus operandi”, escutamos as instruções dos mais capacitados e esperamos a presa enfraquecer para então dar o bote certeiro. É, assim, como tenho procurado reagir.

Professor Abi-Rihan seguiu com os treinos de Jiu-Jitsu em casa, e incluiu a família toda. Foto: Arquivo pessoal

Assim que a quarentena foi decretada, em março, e fui apresentado ao “adversário”, minha primeira ação foi evitar o pânico, me equilibrar emocionalmente e planejar a próxima semana, quinzena, mês… Eu logo entendi que, como pai de família, professor de Jiu-Jitsu e mentor de um grande grupo, muitas pessoas buscariam orientação, direção e palavras de conforto em mim. Mais do que nunca era o momento de reafirmar o meu papel de interventor social e administrador de conflitos – porém sem o auxílio de dois aliados inseparáveis até então: o tatame e o kimono.

Tarefas até então corriqueiras passaram a não fazer o mesmo sentido, hábitos eram proibitivos e precisávamos nos reinventar. Criei assim uma nova rotina, a envolver muito planejamento estratégico, manutenção da saúde física e mental e ações para manter a imunidade em alta e as contas em dia.

Uma família bem estruturada, amigos realistas e uma rede de apoio unida e solidária foram recursos fundamentais para entendermos, juntos, que era o momento de buscar proteção – proteger a nós mesmos, a quem amamos e, não menos importante, proteger nosso local de trabalho. Local, que para muitos, funciona como um templo sagrado, e que estava a perigo pois o mercado do Jiu-Jitsu foi impactado imediatamente, gerando desesperança em muita gente.

Recomendo, assim, aos praticantes de modo geral que olhem um pouco mais para o passado e agarrem-se aos preceitos essenciais que a família mais tradicional dessa arte nos ensina, há quase um século. Como o pioneiro Carlos Gracie já insistia na primeira metade do século passado, a melhor maneira de manter sua saúde física e mental em dia é se exercitar com consistência. Mestre Carlos dava o exemplo e movimentava seu corpo todas as manhãs, até depois dos 90 anos.

Realize portanto séries de ginástica natural, que podem ser facilmente realizadas em casa, alimente-se de modo saudável e preze pelas suas horas de sono. São aspectos vitais, hoje como nunca, para manter o equilíbrio do seu organismo e do seu sistema imunológico.

Aconselho, ainda, que não perca a conexão com sua escola de Jiu-Jitsu – com seu professor, parceiros de treino e colegas de luta. Afinal, nossa arte e seus benefícios vão muito além do dojo.

Abi-Rihan em ação. Foto: Flashsport

Aos lutadores/competidores, fiquem tranquilos. De maneira geral, podemos encarar a paralisação como uma adaptação do calendário competitivo, ou seja, ninguém vai ficar em desvantagem pois o problema é mundial. Toda temporada esportiva, de fato, precisa de um “período de transição”, aquela fase em que o atleta assume uma perda temporária ou “destreino” a fim de se recompor para o próximo ciclo competitivo. Então, o momento pode ser de profilaxia, atividades de intensidade baixa à moderada, trabalhos complementares como mobilidade e reabilitação de lesões, planejamento tático com estudo por vídeos etc.

O período de transição com zero Jiu-Jitsu não é fácil para ninguém, no entanto sobreviveremos sem feridas, em especial os atletas. Já as federações sim, vão necessitar de um fôlego maior e, como grandes empresas que são, devem adotar seus planos emergenciais. E, logo que isso acabar, haverão de voltar com toda força.

A conclusão a que chego, após essas semanas de reflexão e aprendizado, é que tudo na vida é flexível e adaptável, com exceção dos valores mais importantes que a arte suave nos ensina. Esses valores transcendem qualquer pandemia, pânico ou inimigo invisível. E são a esses valores que precisamos nos agarrar agora.

A única certeza que temos é que cedo ou tarde tudo isso vai acabar, e estaremos aqui aguardando para celebrar e treinar o nosso Jiu-Jitsu. Fiquem firmes.

* O professor carioca foi entrevistado por Marcelo Dunlop.

* Entre para o time GMI! *

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