Alto desempenho: Os 7 pecados capitais no treinamento

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Entenda as falhas no treino e como melhorar nesses aspectos. Foto: Reprodução

Por: Rafael Ribeiro *

* Artigo publicado originalmente nas páginas da GRACIEMAG #270. Para mais conteúdos exclusivos com o melhor do Jiu-Jitsu mundial, assine a revista mais tradicional do esporte em formato digital *

Após a Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos e União Soviética competiram arduamente em diversas áreas, a fim de comprovar a supremacia de seus respectivos regimes políticos. Era a Guerra Fria entre capitalismo e comunismo.

No esporte, isso ficou bem claro. Os Jogos Olímpicos e campeonatos mundiais passaram a ter um significado que ia muito além da medalha de ouro. A ciência do esporte se desenvolveu a passos largos nessa época. Cientistas, treinadores e atletas criavam e testavam diversas possibilidades de treinamento que pudessem estabelecer novos recordes.
Obviamente essas informações não eram compartilhadas, tampouco divulgadas. Ninguém iria revelar o “segredo do sucesso” para seus concorrentes, certo?

Ao final da década de 1980, no entanto, tivemos um novo contexto geopolítico: a Guerra Fria perdeu força com a dissolução da União Soviética. Ora, com a popularização da internet anos depois, o cenário mundial se tornou muito estimulante para a troca de informações e o desenvolvimento do conhecimento humano.

Intercâmbios entre treinadores que outrora eram de nações rivais, livros, revistas, sites e artigos inteiramente disponíveis para qualquer um ter acesso, cursos e universidades abertas a cidadãos de qualquer nacionalidade. Isso tudo transformou completamente o campo esportivo.
O nível de competitividade aumentou consideravelmente e nivelou cada vez mais os atletas. Hoje, para estar no alto nível esportivo, é essencial ter uma equipe trabalhando em função do resultado: treinadores, preparadores físicos, fisioterapeutas, nutricionistas, médicos, psicólogos, massagistas, empresários, técnicos e, às vezes, até mais profissionais. Qualquer mínimo detalhe pode fazer a diferença entre um campeão e o concorrente que nem no pódio chega.

O Jiu-Jitsu é uma arte marcial que passa por um processo recente de esportivização. Uma modalidade cheia de costumes e crenças milenares e bem ortodoxas, eu diria. Isso trás uma certa resistência na aplicação de novas possibilidades de treinamento, baseadas em ciências do esporte, por parte da grande maioria dos mestres, professores e consequentemente dos alunos.

Esse ano completei uma década criando e desenvolvendo estratégias para reverter ou mesmo minimizar a distância que via entre os “costumes” e a ciência. Pouco a pouco os atletas foram testando as ideias, muitas delas com bastante resistência, e então comprovando os resultados.

Dentro dessa seara que chamei de “costumes”, posso destacar os sete equívocos principais, os pecados mais recorrentes que certamente dificultam a vida dos lutadores que pretendem alcançar a elite do Jiu-Jitsu mundial. Analiso a seguir esses sete pecados capitais, confira!

1- Generalização
Quanto mais individualizado for o treino, maiores são as chances de sucesso. Isso vale para todas as etapas do treinamento. Desde a alimentação até o treino de tatame, tudo precisa ser pensado de maneira específica, considerando as características de cada atleta. Na hora de treinar os drills na aula, por exemplo, cada atleta precisa escolher o drill referente ao seu jogo. Não faz o menor sentido treinar um drill de uma posição que você jamais usa.

2- Falta de planejamento
Lesões, desmotivação, cansaço, overtraining… São apenas alguns sintomas da falta de planejamento nos treinos. Treinamento aleatório gera resultados igualmente aleatórios. O planejamento vai desde de como realizar cada sessão de treino, estendendo-se a diversas situações extra-tatame, como escolher o horário das passagens de avião para a disputa de um torneio internacional. Tenho diversos casos de atletas que viajam e já chegam ao destino adaptados ao fuso. Até mesmo quando o local é o Japão. Tudo é levado em consideração e analisado minimamente a fim de potencializar cada vez mais os resultados e minimizar os riscos ou ameaças. Planejamento é a alma do negócio.

3- Exaltar apenas a prática e ignorar a teoria
O treino teórico são as horas investidas em estudo da modalidade. O resultado desse investimento é o atleta ser mais consciente de tudo que faz. Quando as coisas fazem sentido e você desenvolve essa consciência, existe um aumento substancial na autoconfiança do atleta. Aqui temos alguns exemplos:
. O entendimento da formatação do treino e o sentido do modelo de periodização adotados para ele.
. A explicação de conceitos de fisiologia e bioquímica para mostrar ao atleta o sentido de fazer ou não determinadas práticas.
. Filmes, livros e séries com histórias de grandes nomes do esporte.
. Assistir lutas dos adversários e suas próprias.

Treino inteligente é a bse para o sucesso no resultado final. Foto: Divulgação

4- Trabalhar os “cinco pilares” de forma isolada e desconexa
O treinamento esportivo é apoiado em cinco pilares: físico, técnico, tático, teórico e emocional. Repare, a parte física está cercada de outros fatores. Os pilares devem ser trabalhados num formato que combinem entre si. Vamos a dois exemplos que explicam essas relações:
A) O atleta que tem um jogo mais baseado na movimentação e portanto o treino físico tem que dar suporte ao modelo tático de luta dele e privilegiar as capacidades físicas como velocidade e agilidade. Porém, com atletas que jogam com mais pressão, o objetivo principal do treino é a força máxima e isomeria. Se o treinador desconhece esses pontos ele irá desenhar um treino que não vai privilegiar o ponto forte de seu atleta.
B) Caso o atleta lute um evento com regras diferentes do habitual, ele precisa ter um início de luta decisivo para a garantia do desenho tático escolhido para luta. Ora, o treino físico tem que contemplar a velocidade. Mesmo que esse atleta seja aquele que jogue na pressão e use mais força e isometria.
As combinações são infinitas e o trabalho de individualização precisa contemplar os cinco pilares.

5- Subestimar os momentos de descanso
Esse é um ponto que pouquíssima gente presta atenção e que faz uma diferença absurda na performance. O sono é um importante componente reparador do corpo e da mente. É através também da qualidade e da incidência de luz que o corpo libera o hormônio do crescimento (GH). Existem trabalhos científicos que demonstram uma diminuição do número de lesões a partir de 8 horas de sono. Grandes campeões olímpicos chegam a dormir entre 9 a 12 horas por dia. Existem várias estratégias que melhoram a qualidade e também a sua quantidade de sono. Uso no dia a dia com alguns dos atletas um App (Sleep Better) que monitora o sono durante a noite. Outro Parâmetro fisiológico que uso diariamente é a Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC) e ela também me mostra qual o estado fisiológico do atleta no dia. E com essas informações posso micro ajustar o planejamento diariamente.

6- Desprezar o aquecimento
Muita gente não dá atenção às etapas iniciais das aulas de Jiu-Jitsu. Vejo com certa recorrência lutadores que entram no dojô apenas nas horas dos rolas, desprezando todas as atividades anteriores. É chocante perceber esse tipo de postura, tendo em vista que o aquecimento é super importante na prevenção de lesões e também na melhora da performance. Ah, claro, existe o aquecimento pré-treino, mas também o aquecimento pré-competição. Este é um tópico tão amplo que merece um artigo inteiro a respeito. E, mesmo assim, muitos lutadores subestimam o aquecimento.

7- Musculação limitada
Ainda vejo inúmeros atletas, inclusive profissionais de elite, fazerem musculação em máquinas ou agachamentos em barras guiadas. Se você busca realmente a sua melhor versão, essa é uma estratégia que eu não indicaria. Apenas se o atleta tem algum tipo de impedimento. A explicação também é muito simples: exercícios com pesos livres trabalham mais a força de estabilização durante o movimento. E para uma modalidade como o BJJ, na qual essa virtude é de fundamental importância, realizar treinamento em aparelhos não privilegia tal função. Outro ponto que acredito ser importante para a construção dessa estabilidade do atleta é o uso de exercícios em Cadeia Cinética Fechada (CCF). Isso significa que você precisa ter os pés apoiados no chão enquanto faz o movimento. Até mesmo os exercícios que trabalham os membros superiores.

*Rafael Ribeiro é faixa-preta de Jiu-Jitsu, formado por Ricardo Gordilho,
integrante da equipe G3-Manimal, em Salvador, na Bahia.
Preparador físico, especialista em Biomecânica, Rafa é pesquisador
na área de esportes de combate e professor de cursos de extensão.

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