A mística do mata-leão no Jiu-Jitsu

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Hércules estrangulando o temido leão da Neméia, em pintura que retrata a cena mitológica.

* Artigo publicado originalmente nas páginas da GRACIEMAG #206. Para mais conteúdos exclusivos com o melhor do Jiu-Jitsu mundial, assine a revista mais tradicional do esporte em formato digital *

O mata-leão está entre os golpes mais emblemáticos do Jiu-Jitsu. Ao encaixá-lo, você alcança a posição de maior superioridade possível num combate. Porém, embora seja uma finalização básica, quase intuitiva, nem todo muito conhece os macetes fundamentais para sua execução perfeita. Sem contar que poucos dominam suas defesas. GRACIEMAG investigou as mais importantes minúcias do estrangulamento que é capaz de transformar o temível rei das selvas num gatinho manso e sonolento.

O termo “mata-leão” costuma remeter os praticantes de Jiu-Jitsu aos filmes antigos de Tarzan, em especial às cenas em que o homem criado entre os macacos enfrentava o temido rei das selvas. Ao longo de tais embates, Tarzan conseguia se esgueirar das garras afiadas e da mandíbula fatal do feroz felino, para então envolver-lhe o pescoço com um dos braços e apertar o gogó até que o bicho, sob implacável asfixia, emitisse o derradeiro rugido e adormecesse feito um gatinho indefeso.

Embora o termo seja forte e tenha sido consagrado ao longo dos anos no Brasil, há uma certa imprecisão técnica em tal nomenclatura. Nossa equipe de reportagem reviu alguns filmes e desenhos de Tarzan e notou que o golpe que o personagem usava era, na verdade, uma gravata lateral (conhecida também como “gravata de leigo”). O mesmo estrangulamento que, aliás, também aparece em diversas pinturas, imagens e estátuas de Hércules ou Sansão, outros velhos rivais de leões famosos. Noves fora a mitologia, trata-se de um ataque pouco eficiente se comparado ao golpe exato a que o termo se refere na cartilha do Jiu-Jitsu.

Já a expressão em inglês (“rear naked choke”), embora meio sem sal, oferece uma definição mais esclarecedora ao golpe. Em livre tradução seria algo como “estrangulamento por trás sem pano”, o que enfatiza, por exemplo, o fato de o golpe ser aplicado por trás, com domínio total das costas do inimigo. Não se trata de um golpe lateral, cuja mecânica e o conjunto de ajustes induziriam a uma movimentação completamente diferente. E, vale repetir: bem menos eficiente.

Se soubesse Jiu-Jitsu, Hércules ou Tarzan teriam progredido da lateral para as costas de seus adversários, de onde o ataque é muito mais difícil de ser defendido, afinal, não pode ser visto e interceptado. Isto oferece um alto grau de imprevisibilidade ao bote do lutador que tem o domínio das costas. Quem está no sufoco simplesmente não sabe de onde e quando vem o segundo braço, aquele que compõe a alavanca responsável pela asfixia.

O domínio por trás ainda permite que os ganchos sejam aplicados com a perna, grampeando o corpo do atacante ao corpo do oponente, o que garante muito mais estabilidade e condições de ajuste à finalização. O termo “naked” (“sem o uso do kimono”) remete a mais uma peculiaridade do mata-leão. Não há necessidade de golas, lapelas ou mangas para você estrangular o adversário. O mata-leão então ganha contornos de multiuso, pode ser usado com extrema eficiência em campeonatos de Jiu-Jitsu com pano, assim como em campeonatos sem pano, e ainda no MMA ou em situações de defesa pessoal.

Foi com um mata-leão que Rickson Gracie venceu sua primeira luta de vale-tudo, em 1980, contra o bem mais pesado Rei Zulu, que só havia perdido uma luta até então. Por sinal, Rickson venceu sete das 11 lutas de sua carreira com o mesmo tipo de finalização. Royce conquistou o primeiro UFC, impondo um mata-leão indigesto sobre Gerard Gordeau. E até mesmo o nocauteador Anderson Silva usou o estrangulamento pelas costas, numa variação do mata-leão, numa de suas vitórias mais marcantes, quando liquidou Dan Henderson, em 2008.

Claro, o mata-leão nem sempre é a melhor opção de ataque quando estamos nas costas do oponente. Certa vez, o faixa-preta Roger Gracie revelou que, em campeonatos de Jiu-Jitsu com kimono, opta por outros tipos de bote.

“Não vejo muito sentido em buscar o mata-leão já que, de forma geral, quando chego às costas, eu encontro uma gola primeiro”, explicou Roger, especialista em estrangulamentos com golas cruzadas. No entanto, vale registrar que, sem kimono, a história é bem diferente. Roger recorreu ao mata-leão (de pé, com as pernas entrelaçadas como triângulo e não como “ganchos clássicos”) para conquistar seu principal título de submission (o absoluto do ADCC 2005), contra o duríssimo Ronaldo Jacaré.

Outro adepto do mata-leão, o faixa-preta Robert Drysdale costuma exaltar o aprendizado dos ataques pelas costas na formação de todos os lutadores de Jiu-Jitsu.

“As duas posições que sempre distinguiram o Jiu-Jitsu de outras artes marciais são a guarda e as costas”, diz Drysdale. “Ao dar ênfase a essas duas posições, o Jiu-Jitsu se destacou. Entre essas duas posições, tendo a valorizar mais os ataques pelas costas. As costas são a melhor parte do corpo do oponente para se dominar quando se está no chão. Eu posso imaginar um bom lutador de Jiu-Jitsu sem uma boa montada, controle lateral ou meia-guarda. Não posso imaginar um sem um bom ataque das costas. Tente pensar em um lutador de alto nível que não tem ganchos mortais e um abraço eficiente. Sinceramente não consigo pensar em nenhum. Por isso, deve ser a posição mais praticada e repetida”.

A declaração de Drysdale chamou a atenção da equipe de GRACIEMAG para o fato de que, tanto nas academias como também nos campeonatos, muitos lutadores revelam falhas graves durante a aplicação do mais básico e emblemático entre todos os ataques pelas costas: o mata-leão. Quem sofre o golpe também demonstra poucos recursos defensivos. Tentam se livrar na marra, à base de força bruta.

Para início de conversa, não se deve, por exemplo, cruzar os pés quando inserimos os ganchos com as pernas (o que fatalmente vai induzir o adversário a se aproveitar desse equívoco e aplicar uma chave de pé em você). Numa situação de defesa pessoal, tenha cuidado para não expor muito os seus olhos ao inimigo (atacar os seus olhos talvez seja a única forma de ele, no desespero, escapar).

Também não exponha o seu braço livre. Quando for usar o braço livre para completar o arrocho do estrangulamento, movimente-o de forma sorrateira, já que o oponente não deve interceptá-lo. Se o adversário usar o próprio queixo para bloquear o acesso ao pescoço, mantenha a calma. Existem várias maneiras de obrigá-lo a tirar o queixo do meio do caminho.

Portanto, não deixe de estudar o clássico mata-leão ao longo da sua trajetória no Jiu-Jitsu, pois tal arma não pode ser dispensada no seu arsenal de ataques. Oss!

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