Carta de Abu Dhabi IV

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O presidente do UFC, Dana White, se mostrou tão decepcionado com o desempenho de Anderson Silva na disputa contra Demian Maia no UFC 112 quanto o resto da imprensa, o público presente, e eu.

Mas ele mostrou por que é o cara certo no cargo certo, na coletiva de imprensa após o evento. Dana chegou antes dos lutadores e saiu da defensiva ao se desculpar antes de qualquer pergunta. Disse que estava constrangido com o desenrolar da luta e que ainda não sabia como, mas ia dar um jeito de compensar o público de Abu Dhabi que prestigiou o evento, e quem comprou o pay-per-view. Só não sabia ainda como.

Ele também não sabia o que fazer com Anderson. E, corretamente, não quis tomar nenhuma decisão “puto” do jeito que estava. Mas o que mais me intrigava naquele momento não eram as consequências e sim o motivo de Anderson ter se portado daquela maneira.

Eu não vou dizer que sou íntimo do lutador, mas eu o conheço há mais de dez anos, e nunca o vi destratar ninguém, nem ter nenhuma atitude antidesportiva. Pelo contrário, sempre se referiu a outros lutadores como “mestre”. Mesmo na luta contra Thales Leites, que foi chata, ele não passou do limite do desrespeito.

Com Demian, no entanto, ele tripudiou. Foram cinco rounds xingando, gesticulando, imitando outros lutadores e isso tudo sem concretizar o que queria dar a entender, que podia decidir a luta a qualquer momento. Resultado, em quase 20 anos acompanhando eventos de vale-tudo, foi a primeira vez que vi um lutador chegar com apoio de 100% da torcida no estádio, e deixar o ringue com 100% da torcida contra, ainda que vitorioso.

Anderson foi o último lutador a chegar na coletiva. Diversas perguntas me passaram pela cabeça, mas não fiz nenhuma. Não achei que fosse ajudar o leitor, naquele momento, tentar colocar o campeão nas cordas. Mas também não precisei, porque outros jornalistas não tiveram o mesmo pudor. Ele começou dizendo que Demian tinha desrespeitado ele como um artista marcial, como um faixa-preta. Outro repórter perguntou como, ele enrolou e repetiu a mesma coisa. Mas o colega não se contentou e perguntou novamente o que Demian teria feito exatamente.

Foram declarações, segundo Anderson, e deu um exemplo, de que “a aranha tinha quatro (sic) patas, e uma Demian ia pegar”. Nada tão forte, né? Talvez não tenham sido as declarações, mas como elas foram dadas. Não importa. A verdade é que se Demian realmente desmereceu de alguma forma o status de Anderson Silva como professor faixa-preta, bem… Demian está certo.

Veja bem, nada e ninguém vai tirar o mérito de Anderson como lutador de vale-tudo. Ele já provou repetidamente que está entre os melhores da história. E o desnível na luta em pé entre ele e seus adversários, já escrevi isso antes, é o mesmo de um faixa-preta para um faixa-branca ou azul num treino de Jiu-Jitsu, exemplificando para que a massa de leitores que treina de kimono entenda melhor.

O problema é que a técnica é o que menos importa na classificação de alguém como faixa-preta. A técnica é adquirida ao longo dos anos em que você de fato está na academia educando valores. E entre eles está o respeito. Respeito ao pai, à mãe, à mulher, ao marido, à hierarquia, ao estranho e, principalmente, ao adversário.

E se com aquele show de humilhação que ele impôs a Demian no sábado à noite Anderson queria provar que era um faixa-preta, ele conseguiu exatamente o contrário. Para piorar a situação, sua atitude contrastou com a de Demian, que manteve a cabeça no lugar, lutou até o fim, mesmo humilhado e com o nariz fissurado, e jamais perdeu o respeito, como se espera de um faixa-preta.

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