Carta de Abu Dhabi II

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Havia um “treino” aberto dos lutadores no hotel pela manhã. Mas abri o olho pela primeira vez às 10h, virei para o lado e só acordei 1h30 da tarde, nocauteado pelo fuso horário. Estava aceso na hora dos lutadores descansarem, e partimos para as compras. De frutas.

No mercado atacadista, achamos goiabas brancas, e consegui a façanha de apresentar uma fruta – talvez a melhor delas – a um especialista no assunto, Rilion Gracie. Mangostim. Nos EUA, só encontrei num catálogo de um mercado no Brooklin; no Brasil, em curtíssimo período, até se acha. Mas uma caixa com oito (cada fruta é do tamanho de uma ameixa) custa cerca de 50 reais. Levamos oito caixas de 12 por 60 reais, e comemos seis (caixas) ali mesmo.

Divulgação do UFC em shopping de Abu Dhabi. Fotos de Luca Atalla.

Rilion desencavou um pote de mel de tâmaras, e compramos um quilo cada um para levar para casa, o doce do nosso açaí garantido por bom tempo. Enquanto voltávamos, ele me conta um pouco do treinamento matinal, e do encontro entre Renzo e Hughes:

“Os dois deram um abraço longo e Renzo disse que era uma honra lutar com ele”, reconstituiu. E eu pensava em como Renzo era capaz de quebrar o paradigma de hostilidade de adversários no clima tenso da véspera do enfrentamento, quando o colossal palácio presidencial se impôs à nossa visão e pensamento, incrustado na avenida Corniche, banhada pelo azul turquesa do Golfo Pérsico.

De volta ao hotel, peguei uns 10 minutos do treino de escapadas de Renzo, todo baseado no movimento dos quadris, só o aquecimento de Frank Edgar, que já cansa até assistindo, e, na outra sala, o último minuto do quarto assalto do Demian. O desafiante ao título até 84kg ainda passou mais uns minutos estudando situações com Xande Ribeiro, e fim de atividades.

O aquecimento de Frank Edgar, o desafiante ao cinto de BJ.

No restaurante, Hughes já havia acabado a janta, e sua cadeira estava alguns centímetros mais afastada da mesa redonda com o resto da trupe, o olhar para baixo. Não estava triste, apenas entretido com o celular, numa troca de mensagens de texto.

Minutos depois, mochila nas costas, André Galvão chegou com olhar perdido. Demian logo o convidou para sentar na mesa, e avisou que era para ele se apressar, pois o bufê ia fechar em minutos. Ele abraçou o ex-companheiro de treinos mas recusou educadamente o convite, disse que precisava achar o Joinha e saiu. Os dois, que já representaram a mesma equipe no Jiu-Jitsu por anos, aqui estão em camps adversários, André sendo um dos ajudantes de Anderson, no Jiu-Jitsu.

Nada daquele encontro (em 2005) vale por agora, nós dois somos lutadores totalmente diferentes” Demian Maia

No dia anterior eu perguntei para Demian o que ele achava disso, e ele usou a palavra “engraçado”, mas no sentido de “irônico”. No entanto, ele deixou claro que entendia completamente e que concordava com o rumo que o vale-tudo tomava.

Perguntei também se, nesses intercâmbios, ele havia treinado com Anderson, já que ele é muito amigo do Rodrigo Minotauro.

Demian treina com Xande para enfrentar Anderson.

“Por agora, não. Treinamos uma vez em 2005, quando eu comecei a treinar vale-tudo, num período que o Léo (Vieira) ajudou o Vitor (Belfort). Um dia, o Anderson apareceu por lá, e a gente fez um treino em pé em que ele me acertava só com a mão da frente. Depois fomos para o chão. Ele era faixa-marrom, e acho que nada desse encontro vale por agora, nós dois somos lutadores totalmente diferentes”.

Talvez essa segunda carta tivesse mais do Anderson, e algo sobre BJ, não fosse o tombo do fuso. Prometi que amanhã recuperaria isso, mas isso foi na primeira vez que escrevi esse artigo. Portanto antes de a internet me passar uma rasteira de faixa-branca, e eu perder tudo. Essa é a segunda versão, confesso, piorada. E já são quatro da manhã. Deixa então eu comer meus mangostins. E boa noite.

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